(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.10.14

Entre caipirinhas e livros

Entre livros e caipirinhas

No burburinho da praia repleta, só consegui ouvir conversas sobre comida. "Esperámos uma hora por mesa e mais duas pelos bifes", queixou-se um senhor, à beira do mar. "Fazemos uma canjinha com pouco sal para o jantar, e agora grelhamos o peixe", comentava outro. "Vamos ao café, comer qualquer coisa?", "Meninas, o pai vai indo para o restaurante, querem grelhada mista?", "Bolinhas! É com creme e sem creme!", "Mãe, passa aí as bolachas", "Fazemos o quê para o jantar?"
Nada. Não se falava de mais nada. Como se os dias, as férias, e a própria vida inteira, fossem um sequência ininterrupta de servidão alimentícia.
"Caramba! Se um décimo da energia que gastam a tratar de alimentar o corpo fosse gasta a alimentar a mente, que super povo não seríamos...", pensei.
Revoltada com o delírio coletivo da escravidão à comida, e incomodada pela elevada quantidade de corpos demasiado próximos do meu, arrastei o Ricardo para fora da praia.
- Anda, vamos almoçar!
- Onde? - quis saber.
- Eu guio e verás quando lá chegarmos.

O requinte com que comemos algo leve, naquele ambiente seleto e colonial, fez-me viajar com a imaginação. Almocei com o mar ao fundo, pássaros e árvores verdejantes por perto; rodeada por paredes grossas e ventoínhas de teto, suspensas no alpendre tranquilo. No bistro daquele campo de golfe, eu estava resguardada das gordas hordas de gente para quem alimentar o espírito e a mente pouco importa, desde que o estômago esteja tratado com alguma qualidade.

Faz-me confusão a falta apetite de conhecimentos e a ausência de sede de evolução interior. Se sem comida e água o corpo não sobrevive, como podem as mentes e as almas sobreviver sem que as alimentem também?

Esta divagação acompanhar-me-á até ao princípio da noite, quando, ao trocar momentaneamente o Bar Piratas pela Feira do Livro de Altura, ficarei a equacionar se mais fazem sonhar as minhas caipirinhas... ou os livros e crónicas que vou inventando enquanto as preparo.

Ana Amorim Dias (10-8-14)

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