(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.10.14

A descair

A descair

Eu juro que estava sossegadinha do meu canto, metida comigo mesma, a fazer as caipirinhas. Observei a miúda tentando não a julgar. Devia ter uns dezoito, vinte anos no máximo. De silhueta elegante mas exageradamente provocante na indumentária escolhida. Talvez tivesse um certo déficit de atenção pois falava alto e monopolizava indisfarçadamente as conversas.
Consegui não julgar, ficando a pensar apenas em tudo o que a miudita ainda terá que aprender. Senti uma certa compaixão, pois vi naquela exuberância toda uma fragilidade estrutural propícia aos dissabores.
E foi então que ela veio ter comigo:
- Estou-me a sentir a descair... Não se importa de me ajudar aí atrás com as alças do top?
É que nem baixou a voz para disfarçar a descaidela e eu, atónita como poucas vezes fico, lá a auxiliei a combater a gravidade peitoral.
- Pronto, querida, já está.- respondi-lhe com uma voz segura e meiga.
"O culpado disto tudo é o Newton! Dele e da maçã que lhe caiu no cucuruto", concluí. Devo ter soltado uma gargalhada quase tão imprópria como a atitude da imatura miúda. Mas aos quarenta (independentemente do volume das femininas extremidades e da força com que a magana lei de Newton as possa fazer descair) sabemos ter atitudes que, ao contrário de nos fazerem descair, nos elevam. Fiquei mesmo com a sensação de ser imune à gravidade, pelo menos na segurança estruturada das atitudes com que todos os dias brindo as minhas horas de ação.

Ana Amorim Dias
6/9/2014


Enviado do Writer


Enviada do meu iPad

Sem comentários:

Enviar um comentário