(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

9.10.14

A amolgadela

A amolgadela

O senhor José foi fazer a inspeção ao carro atempadamente, nos primeiros dias de Agosto. Quando chamaram pela sua matrícula, fez marcha a trás sem olhar e... bem, eu ainda gritei mas já não serviu de nada.
- De quem é este carro? - perguntou, desorientado.
- Meu...

Eu tinha ficado tão contente por aquilo estar assim tranquilo que até fizera planos de ir descansar um pouco à tarde, antes de voltar ao trabalho. "Raios partam o homem, já tenho uns quantos dias estragados!", foi o meu primeiro pensamento. Mas o segundo, ao ver o seu desespero, emendou o rumo da situação:
- Deixe lá isso, então! Pode acontecer a qualquer um.
- Oh menina, desculpe!! Em quarenta anos de carta é a primeira vez que me acontece!
Vi-o tão aflito que não me restou mais remédio:
- Acalme-se vá, também não precisa de ficar assim. Não vê que é só chapa? Eu nem estava dentro do carro...
- Não me conformo, não me conformo! E agora o que fazemos?
Assumiu a culpa e pediu-me que fosse eu a preencher a declaração amigável porque estava demasiado nervoso.
Quando entrámos finalmente com os carros na linha de inspeção, gritei-lhe com um ar teatralmente apavorado: "Cuidado! Não me bata outra vez!". E ele riu-se a bom rir.

Bateram-me no carro e eu vim-me embora a sorrir. Como mudei. Como cresci!
A peritagem já está feita mas combinei só deixar o carro na oficina no início de Setembro. Até lá andarei com a minha porta amolgada e continuarei a sorrir de cada vez que a olhar... porque cada vez gosto mais das minhas reações à vida.

Ana Amorim Dias
(20/8/2014)

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