(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

5.7.13

A vida em saldos

A vida em saldos

Trinta. Cinquenta. Setenta por cento de desconto. E, como se de um gigante aspirador humano se tratasse, somos sugados para dentro das lojas. Apelativas. Cheirosas. Viciantes. Entramos num mundo novo que nos faz sentir bem e nos convence de excelentes oportunidades.
Já lá não ia há muito tempo mas ontem entrei em várias lojas. Circulei, olhei, toquei. E decidi fazer uma pequena lista antes de me permitir comprar algo.
Posso?
Quero?
Gosto?
Usarei?
Preciso?
Decidi só comprar algo se cada questão tivesse por resposta um "sim". Após andar quase uma hora alheada da realidade, entre roupas e sapatos, vim-me embora com a consciência de ter feito uma excelente aquisição: juízo por zero cêntimos! Se tivesse retirado da minha lista o "preciso" talvez não fosse bem assim, mas fiquei satisfeita na mesma.
Satisfeita e a pensar que a vida não tem época de saldos. Há incontáveis experiências que nem sequer se pagam ( com dinheiro, pelo menos) e que, se estivermos atentos, podemos aproveitar.
Com as vivências mudo a lista:
Posso?
Quero?
Crescerei?
Há muitas coisas que "decidimos" não poder, mas estamos redondamente enganados. Mentimos a nós mesmos dizendo "não posso" como quem conta a mais esfarrapada mentira. Nos "saldos" das vivências querer é mesmo poder. E quando queremos é porque a alma chama: porque sabe que, mesmo que a coisa dê para o torno, sairá enriquecida.
De todas as perguntas, a mais importante é "crescerei?". Sempre que percebermos que algo nos vai construir um pouco mais devemos "fechar tal negócio".
Dois exemplos muito simples: uma rápida fuga para um mergulho de mar a meio de um dia de trabalho. Se pudermos e quisermos, isso far-nos-á crescer... em boa energia, pelo menos. E um copo com os amigos? Pode dizer-se que não? Claro. Mas estamos a perder uma das melhores oportunidades de nos sentir parte de algo, de rir e rejuvenescer as células, de aliviar o stress e partilhar bons momentos. Pode ser só meia hora, mas um copo (ou café) com amigos fará para sempre parte dos saldos da vida: daqueles que podemos, queremos e nos fazem crescer em alegria interior.
Nunca pensei conseguir dizer isto sem que parecesse fútil, mas a verdade é que há mesmo saldos absolutamente imperdíveis!

Ana Amorim Dias

Unicórnios

Unicórnios

Andava numa "expedição" costeira, do outro lado da fronteira, em busca de um bom "chiringuito". Queria eleger um destino simpático para daquelas fugas-relâmpago que às vezes é necessário fazer para descansar uma hora e sentir-me quase no estrangeiro.
Uns mais belos, outros menos, mas em quase todos um péssimo atendimento.
- Já viste? Isto é dar pérolas a porcos.- comentou o Ricardo, referindo-se a um restaurante bonito que estava a ser explorado por parentes próximos desses animaizitos.
- Eu vejo mais a coisa como se unicórnios tivessem vindo comer à pocilga!-
Acredito que todos temos um pouco de unicórnio em nós. Podemos até não saber, mas somos todos sensíveis, requintados, únicos, especiais e um pouco etéreos até. Todos gostamos de ser bem tratados. Todos merecemos ser atendidos com educação e simpatia. É por isso que não tenho qualquer problema em levantar-me e ir embora quando me apercebo que estou a mais por o local em questão não saber receber unicórnios.

Ana Amorim Dias

O assombroso facto

O assombroso facto

Estava a atrofiar o meu cérebro e a esgotar a minha energia com as notícias. Aparelhos de estado semelhantes a ventoinhas de teto que só chiam e mal se mexem em noites de mórbido calor. Ineficazes, devolutos e tendo por única ação uma apatia, impotente e apatetada, que de nada serve para aplacar o gigantesco fogo que se instalou na nação.
Desvio a atenção da televisão. Divago pelo VIMEO e, providencialmente, um vídeo chama-me a atenção: "THE MOST ASTOUNDING FACT". Desanimada, penso no que poderá ser mais assombroso que o desgoverno em que estamos. E então a voz de Neil DeGrasse Tyson começa a soar. Após ser interrogado para a TIMES magazine sobre o que considera ser o facto mais assombroso do Universo, dá início à verbalização da sua opinião.
"Estrelas colapsaram e explodiram, espalhando as suas entranhas pelo espaço. Esse carbono, nitrogénio e oxigénio foram os ingredientes que formaram nuvens de gases que depois se condensaram, dando origem à geração seguinte de sistemas estelares em cujos planetas passaram a existir os ingredientes fundamentais à vida. Quando olho para o céu sei que fazemos parte do Universo, sei que estamos no Universo e, mais importante que tudo isto: sei que o Universo está em nós!"
"Olho para o espaço e não me sinto insignificante nem pequeno, pelo contrário, sinto-me enorme... Porque os meus átomos vieram daquelas estrelas! Há um sentimento de conexão e relevância: podemos sentir-nos participantes porque é isso mesmo que somos, pelo simples facto de estarmos vivos!"

Caramba! Fiquei como nova! Ao ver a vida de cima, através dos olhos dos átomos celestes que me compõem, tudo voltou à sua correta posição universal. A consciência de sermos de facto feitos de matéria celeste tem o poder de nos fazer entender a importância relativa de tudo. E, com governos ou desgovernos, a vida continua!

Ana Amorim Dias

Sou um homem do campo

Homem do campo

De repente lembrei-me que uma das atividades dele, durante o dia de férias ativas, seria o ténis.
- João!... Esqueci-me de te pôr as sapatilhas na mochila!
- Não faz mal, mãe. Estou de chinelos e agora vamos ter praia.-
- Pois, mas li no papelinho que esta tarde vais ter ténis... E agora? Não podes jogar ténis de havaianas!
- Ah bom! Claro que posso! Eu desenrasco-me, sou um homem do campo!
As gargalhadas propagaram-se dia fora. De cada vez que me lembrava do "homem" do campo, várias imagens me vinham à cabeça. Aquela vez em que me foi acordar com bigodes e uma sobrancelha cerrada; as correrias com as galinhas; o manuseamento dos bichos; as pescarias na barragem. Lembrei-me de quando o vejo, pela janela da cozinha, a passar no lombo da égua sem cela ou com o pai no trator. E depois recordei-me do dia em que, na citadina casa da minha mãe, vi o petiz muito intrigado a olhar para o buraquinho de vidro que existe na porta da rua.
- Mãe!! A porta da avó tem um buraco!!!-
Expliquei-lhe para que servia.
A criança sempre viveu numa quinta e, apesar de já ter viajado bastante e conhecer grandes metrópoles, continua a desconhecer a realidade de viver numa cidade.
Afinal qual é a diferença entre os homens da cidade e os do campo? Quanto a mim há apenas duas mesmo dignas de registo: é que, com os homens do campo, qualquer mulher se sente segura para sobreviver numa ilha deserta ou em caso de catástrofes... e, de acordo com o que constatei, os do campo auto-intitulam-se "homens" logo desde os oito anos!

Ana Amorim Dias

O sonolento tigre

O sonolento tigre

Está oficialmente aberta a época do ano em que ando sempre com sono. Trabalhar até tarde e quase nunca dormir as horas recomendadas traz alguns inconvenientes mas não deixa de ter certas vantagens. Especialmente quando é para estar num bar. Ou melhor, NO BAR...no da minha vida, pelo menos.
Para quem é de natureza solitária (explicaram-me no outro dia que nasci no ano do Tigre e que os tigres caçam sozinhos) a companhia constante pode causar algum desconforto. Mas, depois de duas décadas a passar as minhas noites de Verão no Piratas, tive que me habituar tanto a estar rodeada de gente como a privar-me ainda um pouco mais de dormir. Se trocava estes factos por outros? Não, de forma nenhuma! Estar a trás de um balcão é estar no território perfeito para uma caçadora de almas e nuances da humanidade. Ser uma espécie de "embebedadora" especializada é uma ironia perfeita na vida de quem, por definição e essência, se dedica por inteiro a escrever sobre esse interminável filão que é o Homem!
Ao longo das próximas semanas as crónicas começarão a ser escritas e publicadas noutros horários e, quem sabe, com conteúdos mais caóticos. Mas já ficam a saber ao que se deve: esta caçadora de histórias vai estar sob as influências de muita gente diferente e conversas quiçá sem nexo, bem como de fortes doses de privação de sono. Assim sendo, aos que apenas me lêem, faço votos de boas leituras. E, aos que forem ao Piratas, lembrem-se de ter cuidado: atrás do balcão estará um tigre... pronto a caçar-vos as histórias.

Ana Amorim Dias