(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

24.5.13

Porto inseguro

Porto inseguro

Não sei se existem portos completamente seguros. Sei que há portos nos quais conseguimos sentir-nos protegidos, mas daí a serem capazes de nos proteger com total eficácia das mais fortes tempestades, já tenho as minhas dúvidas.
No fundo considero os portos muito seguros, os mais inseguros de todos. É que os barquinhos existem para navegar e não para ficar amarrados nos portos. Quanto mais seguros nos sentimos, menos vontade temos de nos fazer ao mar e cumprir as missões das nossas existências. Quanto mais nos habituamos a não enfrentar ventos e vagas, menos nos fortalecemos; mais a inércia se nos apodera das velas e o caruncho das madeiras.
"Small boat, deep sea" (pequeno barco, profundo mar) disseram-me um dia. Somos pequeninos e a vida é enorme, bem sei. Mas temos a obrigação de garantir que toda a segurança sentida em qualquer dos nossos portos seguros, não se transforma em medo de navegar. Porque a maior insegurança é correr o risco de chegar ao fim e perceber que não vivemos.

Ana Amorim Dias

O fim da rebaldaria

O fim da rebaldaria

Quanto mais simples melhor. O assunto até pode ser complicado, mas há sempre formas simples de o ver e abordar.
Alma. Coração. Cérebro. "Afinal quem é que manda aqui?", pergunto-me às vezes, sem aceitar render-me àquela rebaldaria. Bom, deixem-me lá abordar a questão como se fosse um miúdo de cinco anos porque esses é que são mesmo sábios!
Alma: uma espécie de nuvem branquinha que vive sempre dentro de nós e sabe coisas incríveis.
Coração: o motor do nosso corpo e a nascente do amor.
Cérebro: aquela máquina fantástica que faz falta exercitar e alimentar todos os dias.

Continuando no modo de sabedoria infantil, avanço para a vaca fria: porque é que há pessoas infelizes? Simples!! Porque deixam que estas três pecinhas andem numa rebaldaria!
Quem consiga fazer com que a alma, o coração e o cérebro funcionem em equipa torna-se completamente invencível. A sério, é mesmo assim!

O quê? Como é que os pomos em sintonia? Fácil: deixamos que o cérebro se cale e se alimente com as respostas da alma, enquanto o coração vai batendo de emoção.

Ana Amorim Dias

Reflexos

Reflexos

Qualquer pessoa sabe que a relação com o espelho nem sempre é fácil. Ou nos vemos mais gordos, mais velhos, menos apelativos, ou nos vemos banais; apenas mais alguém comum e sem grandes atributos no meio da normalidade humana. Mas também pode acontecer olharmos o nosso reflexo no espelho e vermos toda a beleza do mundo, condensada na imagem nítida que nos devolve quem na verdade somos.
Cada pessoa está para lá dos quilos e das rugas, das vestes e da expressão corporal que emana. Cada pessoa é mais que a boa ou má imagem que um espelho lhe devolve; é mais que a imagem que tem de si e que pensa entregar aos outros. Ocorre-me até que a mais verdadeira imagem que podemos refletir é a daquilo que pensamos; é a da forma como vivemos e agimos; como escolhemos mover-nos através do tempo e do espaço.
Caso te percas de ti e não saibas de quem é a imagem que o espelho te devolve, olha-te bem fundo nos olhos e reconhece-te. Tu és tu, apenas tu, acima de tudo tu. Único e irrepetível de todas as formas possíveis.

Ana Amorim Dias

Con los años que me quedan

Con los años que me quedan

Aproveito o facto de andarem todos lá fora para fazer o jantar com a música a soar bem alto. Três pauzinhos de incenso. O iPod no deck, em modo aleatório. Os brócolos, os calamares, os ovos com farinheira. Tudo a ser preparado numa cozinha estranhamente impecável. Abano-me ao ritmo certo. Sirvo-me de uma taça de vinho. Pela janela vejo os três, com a felicidade estampada nos corpos, montados no trator cor de tijolo.
"... sé que nuestro amor es verdadero, con los años que me quedan por vivir demonstraré quanto te quiero..."
A Glória Stefan começa a cantar a música que o meu pai, na última década, costumava dedicar à minha mãe, com o ar embevecido que só os grandes amores sabem vestir.
A comida olha para mim com tristeza, libertando odores que me trazem de novo a fome dos seus abraços, a sede daquele aperto, protetor como nenhum outro. Por uns momentos o coração fica-me do tamanho do corpo inteiro. Sou só sentir. Sou só saudade imensa daqueles lábios na minha testa, em jeito de benção. As lágrimas saltam, o corpo convulsiona-se. Deixo-me levar pelos braços angelicais da fortaleza perdida.
"...con los años que me quedan, te haré olvidar qualquier error, no quis herirte mi amor, sabes que eres mi adoracion, lo serás mi vida entera..."
Estas palavras também podiam ser para mim. Ergo-lhe o copo num brinde eterno, quase feliz.
" ...el tiempo te dirá si tienes fé en mi, que como yo te amé más nadie te podrá amar jamás.."
E então percebo, antes que a comida se queime com a minha ausência emocional, que o tempo trouxe a fé, sim. Que como ele me amou mais ninguém me poderá amar jamais. E que a tristeza daquele abraço que me falta nada mais é que a alegria imensa de um amor que não morre enquanto eu viver.
"...sé que aún me queda una oportunidad, sé que aún no es tarde para recapacitar, sé que nuestro amor es verdadero. Con los años que me quedan por vivir demonstraré quanto te quiero"
E eu? Eu sei que não são os anos que faltam a quem já se foi que lhes impedem as demonstrações de amor por quem ficou. Sei que nos continuarão a amar enquanto nos sobrarem anos de vida a nós.

Ana Amorim Dias

Resultado rápido

Resultado rápido

Ouvido no mercado de Cacela, junto a um vendedor de árvores:
- O inconveniente que tem é que essa planta cheira muito mal...-
- Pois, já ouvi dizer.-
- Dizem que é própria para o mau-olhado!-

Ainda estava a digerir esta, quando um senhor me entrega um papelito. Mesmo a calhar. Delicio-me com o texto todo, mas a cereja no topo do bolo encontra-se no fim do papel.
Leio alto a quem me acompanha e, no meio das gargalhadas, comento que tenho que lá ir, encomendar um best seller internacional.
- Mãe, o que é um best seller?-
Explico-lhe.
- Mas pergunta primeiro quanto é, senão leva-te o lucro todo!
Continuo a rir.
Que tentador!! O senhor além de espiritualista também é cientista. Fantástico. Muito completo. Pena só fazer magia a preto e branco. Eu cá sei fazê-la às cores! Fico sem perceber é a parte dos mal-feitiços mas calculo que esteja relacionado com a planta das outras senhoras.
Quanto aos resultados rápidos é que sobram muitas dúvidas. Todos sabem que os problemas de amor só se resolvem com o tempo; que os casamentos só funcionam com anos de dedicação; que a impotência tem curas clínicas; que a inveja só afeta quem lhe liga; que a superação de vícios depende da força de vontade e que os negócios implicam anos de dedicação e trabalho.
Que o senhor seja espiritualista e cientista até engulo; que faça magia a preto e brando, a escolha das cores é lá com ele. Mas que os resultados sejam rápidos? Ai que vontade de rir!
Somos os construtores da nossa sorte e destino. Todos os dias, a cada minuto. É por isso que sei que os resultados... nunca são pagos depois.

Ana Amorim Dias

Recomeçar é viver

Recomeçar é viver

Não sei se alguma vez vou gostar de domingos. Há algo no domingo que me perturba, me deixa inquieta, impaciente. Domingo é por excelência o dia da inércia, aquele em que é suposto descansar dos excessos de sexta e sábado; aquele em que é preciso retemperar forças para a semana que se aproxima.
Não gosto de marasmos. Nem de fins. Nem de domingos. Porque estes, se lhes permitirmos, tendem mesmo a reunir toda quietude do fim de um ciclo.
Os domingos são quase tão deprimentes como terminar um livro ou estar muito tempo sem sol. São aquele espaço de tempo que antecede o recomeço. E o recomeço é demasiado bom para ter que se esperar tanto por ele.

Ana Amorim Dias
Ana Amorim Dias

Biografia de Eric Lobo - O aperitivo

Meus anjos, vou deixar aqui só um "niquinho" da biografia do Eric. Já me dizem se vão querer ler ou não!

Algures no capítulo 15...

"Fica calado. Está semi-catatónico e eu não percebo porquê.
- "Partir ou morrer", Eric. Não é este o teu lema?-
- Da lenda. Não da realidade.-
- Deixa de ser infantil! O Eric real é uma lenda e a própria lenda é real, está aqui, sentado à minha frente! -
- Se calhar estão todos a impor-me essa realidade.-
Como o animo? Afinal o que é que ele tem?
- Partir faz parte de ti, sempre fará. Não há nada que mude isso! Percebo que talvez te sintas um pouco só no meio de tudo isto e até entendo que possas sonhar, por vezes, com a tradicional vida de pai de família ou com um relacionamento duradouro, mas já pensaste na forma como isso te amputaria os planos? Já pensaste que se tiveres agora uma mulher para estar ao teu lado o resto da vida, ela não iria aceitar que partisses para uma viagem da qual há fortes probabilidades de não voltares?-
- E depois? Eu sou racional o suficiente para alterar os meus planos, adaptá-los, não ir. O amor a sério vale isso tudo.-
- Caramba, Eric: a história normalmente não é escrita por pessoas que ficam a ver a novela todas as noites de mãos dadas! Se desistisses dos teus planos o amor não sobreviveria porque em pouco tempo chegaria o arrependimento e, depois, o ressentimento. Já pensaste porque é que as mulheres que te amaram te deixaram partir? Porque não te podiam impedir, porque te amavam e não te queriam matar em vida. Mesmo a Patrícia, com toda a tristeza que ainda guardas do que aconteceu! Eu entendo-a bem, sabes? A mensagem que te mandou quando estavas no Canadá, a dizer que tudo tinha acabado... Eu entendo-a. Porque quando se ama muito, ou se consegue manter o outro sempre junto de nós, ou há que deixá-lo partir de vez para podermos saborear em paz o amor que lhe temos. -
- Tu és estranha!-
- Talvez, mas acredito no que digo. E um homem como tu fica facilmente debilitado por causa do amor. Quando vais entender que as mulheres te podem roubar a força?-
- Isso não se pode roubar.-
- Bolas!-
- O que foi?-
- Nada, acho que nunca antes tinha compreendido a metáfora do canto das sereias como a estou a entender agora. Podes pensar que uma mulher que ames não te rouba as forças, mas se te desvia dos teus planos e da tua missão... (...)
- Onde é que tu andas?-
Apanha-me a divagar e estranha a ausência do meu foco em si.
- Hã? Desculpa. Que dizias?-
- Perguntava se já te chega de café!-
Provoca-me gargalhadas.
- Sim, a dose diária foi cumprida, muito obrigada.-
Ele pesquisa o IPhone.
- Amanhã vai estar bom tempo, o que queres ir conhecer?-
- Mónaco? Cannes? Ou não te apetece ir tão longe?- esqueço-me que estou a falar com a pessoa que vai "ali" a Kiev ter com os amigos quando tem saudades.
- Para ir de mota deve ser desconfortável para ti, até porque à noite vamos jantar a casa do Bernard e fica para o outro lado...-
- Nesse caso vamos de carro, ou escolhemos outro destino, não há problema nenhum.-
- Vamos, então?-
- Sim, mas tens que me prometer uma coisa!-
- Diz.-
- Leva-me a um sítio que tenha uma mesa de matraquilhos. Vou derrotar-te!-
Saímos do café. Eu com um ar muito sério e ele a rir às gargalhadas. (...)