(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

26.2.13

Walking the red carpet

Passadeira vermelha

É todos os anos a mesma coisa: espeto-me em frente à televisão a ver os canais que transmitem em direto a cerimónia dos Óscares. Cheia de boa vontade, penso sempre que ainda não tenho sono e que é desta que vou conseguir ver um pouco mais que as sumptuosas chegadas das divas. Mas a entrega das primeiras estatuetas apanha-me sempre já tombada na inconsciência das madrugadas de sofá, quiçá com um reluzente e sensual fiozito de baba a querer rolar-me no queixo.
E a noite dos Óscares acaba-me sempre da mesma forma: com uma ausência total de glamour, sem perceber quem ganhou o quê e a cambalear casa fora até à cama quentinha.
Mas assim que abro a pestana, vejo no iPhone quem foram os vencedores. Vejo as subidas, as quedas, as poker faces e os agradecimentos. E enquanto visto roupas bem mais simples que as das divas, percebo que tenho uma passadeira vermelha só para mim... e que o dia que agora começa me vai trazer tantos Óscares como outro dia qualquer. É que, desde que tenhamos o caminhar correto, todos podemos a toda a hora, pisar a passadeira vermelha!

Ana Amorim Dias

Ainda aqui

Ainda aqui

A voz dela surgiu sobre a cena como se o sol nascesse à noite. E fez eco em mim com uma tal intensidade que só me restou a rendição a um integral arrepio.
"Este estupor é brilhante!", lembro-me de ter pensado. Consegue sempre compatibilizar as cenas de exagerada e escarlate violência com músicas tão fantasticamente escolhidas que o resultado é invariavelmente o mesmo: arte.
Se calhar a arte é também isto: a capacidade de, mesmo sem que se saiba quem é o autor, conseguirmos identificá-lo pelo estilo e pela marca que deixa em nós. Sim, sem qualquer sombra de dúvida, fazer arte é criar algo que marca; que deixa o outro transformado nas células e emoções; que permanece depois do fim. Arte é aquilo que alguém tem capacidade de criar e entregar, marcando os outros mesmo depois de terminado o consumo da obra.
Guio todo o caminho a ouvir uma e outra vez a voz da Elisa Toffoli a cantar "Ancora Qui". Sinto o crescendo da emoção e, à terceira, as lágrimas rolam, imparáveis. Ancora qui...ainda aqui. Sim, sem dúvida, ainda aqui. Ainda aqui estão as marcas de toda a arte com que já fui amada.

Ana Amorim Dias

Vertigem

Vertigem

Quando se percebe que se ama alguém devia ser obrigatório perceber também que já não se caminha em chão firme e, pelo contrário, cada passo é dado no limiar do mais vertiginoso abismo.
Quando, mesmo contra vontade, se começa a amar, essa maravilhosa alquimia traz implícita a vertigem da queda. Porque passa a haver a necessidade do outro. Porque os humores de repente dependem da eficiência com que esse outro se entrega e revela o seu amor.
Amar é lixado. É um imenso ganho cheio de potenciais perdas. Amar é consentir abertamente que o coração seja arrancado do peito sem anestesias de qualquer tipo. Amar é o sentimento mais louco que pode existir por encerrar no seu âmago as mais antagónicas sensações. Amar é a mais insana e perigosa ação a que a pessoa se pode entregar porque implica delegar a outrem a responsabilidade da mais intrínseca alegria.
Se defendo que não se ame?? Claro que não! Como poderia condenar a mais grandiosa razão da existência; o que faz as vidas merecerem ser vividas? Apenas me parece que, já que amar é viver na vertigem do precipício, todos deviam ter a consciência de manter bem preparadas as asas do amor próprio, para não iniciarem nenhuma queda livre de cada vez um amor chega ao fim.

Ana Amorim Dias