(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

4.1.13

Cavalheiro


 
- Porque estás a fazer comida tão bonita, mãe?
- Sabes, João? A comida, mais que uma satisfação animalesca, deve ser uma manifestação  estética.
- Mas isso não devia ser só lá para baixo, para os casamentos?
- Claro que não, filho.  A estética é um valor pelo qual devemos lutar sempre! Além disso a comida deve ser como as pessoas realmente atraentes: bonitas por fora e nutritivas por dentro.
   Tenho ideia que às vezes não escolho bem as palavras para falar com o puto, mas ele não se atrapalha a tirar todas as dúvidas. 
- Isso tem alguma coisa a ver com aquela conversa do outro dia... Aquela sobre como tratar as meninas, sabes?  - questionou-me.

    Há uns dias andei a explicar-lhes melhor algumas regras de etiqueta:
- ... e não há nada que enganar, pega-se nos talheres de  fora para dentro à medida que a comida vai sendo trazida; o guardanapo ao colo, levado à boca antes de cada utilização dos copos e,  quando a senhora se levanta, o cavalheiro deve também levantar-se levemente.-
- Explica melhor a das escadas, mãe!
- Ao subir deve ir o homem à frente, ao descer é ao contrário e já vos expliquei porquê: é muito indelicado porem-se a jeito para olhar para o rabo ou para o peito das senhoras!
Risos.
- A sério é mesmo assim!

Achei engraçado que o João tenha retido tão bem tal conversa, a ponto de ontem me pedir para a desenvolver um pouco mais.
- Conta-me mais regras daquelas das mulheres, mãe.- pediu.
- Muito bem: para teres encanto aos olhos delas, deves saber um pouco de tudo, de história, artes, filosofia, geografia... Deves abrir a porta do carro para ela entrar,  puxar a cadeira para ela se sentar e deves olhá-la os olhos quando falas com ela. Deves mostrar-lhe  que é o centro da tua atenção e nunca dar elogios óbvios ao seu corpo, embora possam ser completamente óbvios se se referirem à sua maneira de ser. Mas há algo mais importante que tudo isto, João. 
- O quê, mãe? O quê, o quê??
- Tens que caminhar e agir sempre com uma coisa chamada confiança. Mulher nenhuma confia num homem que não confie em si mesmo.
Acabei de preparar a bonita comida enquanto ele me olhava, maravilhado. Teremos estas conversas tantas vezes quantas ele queira, porque se um homem é só um homem, um cavalheiro é a sublimação estética e essencial  do homem. 

Ana Amorim Dias

O centro dos guardiões




  Uma das muitas vantagens de ter filhos é haver sempre justificação para ir ver filmes infantis sem que nos olhem de lado. Aceito que haja quem não goste, talvez por não conseguir sentir a magia que se opera... nas crianças e em nós.
  Independentemente de todas estas questões, gostei particularmente do último: "A origem dos guardiões", que retrata a eterna luta entre o acreditar na magia ou ceder ao medo. De um lado o Pai Natal, a Fada dos dentes, o Coelho da Páscoa, o Padrinho dos sonhos bons e o Jack Gelado. Do outro, o bicho papão!
  Vi com toda a atenção, da razão e do coração, segura da importância do que me estava a ser ali entregue. A certa altura o Pai Natal pergunta ao Jack Gelado qual era o centro dele, revelando que o seu era a magia. No fim do filme o Jack, príncipe das Neves,  descobriu o seu centro de guardião: a diversão.
  Será demais considerarmos-nos Guardiões de alguma coisa? A ser este exercício aceitável, somo guardiões do quê? E qual é o nosso centro?
  Chamem-me louca se quiserem, mas  não tenho a menor dúvida que sou uma guardiã das evoluções interiores! O meu centro? As palavras!

Ana Amorim Dias