(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

28.9.13

Viagem ao centro dos Mundos

Viagem ao centro dos mundos

Para onde se fazem, afinal, as maiores viagens?
Não estou a falar das mais espectaculares, nem das de maior estilo, ou aventura, ou custo. Não me refiro às viagens mais longas nem sequer às que melhor guardamos na memória...
As maiores viagens fazem-se sempre por dentro e para dentro. De nós, claro. Podemos ir ao cabo do Mundo, ver coisas de assombro e gastar astronómicas quantias. Podemos à vila mais próxima e não ver nada de novo, gastando muito pouco. E pouco importa. As grandes e mais marcantes viagens são sempre feitas cá dentro.

- A tua viagem de volta Mundo, sabes, eu fi-la em Paris...-
- Ah oui? -
- Sim. Em Janeiro de 2011, quando aqui estive sozinha: foi o meu ponto de viragem; o renascer das cinzas; a compreensão acabada do sentido da minha vida e início do derradeiro regresso a mim... Tal como te começou a acontecer a ti, algures entre Kiev e Vladivostok. Dessa viagem nasceu o livro "ZOIA" e renasci eu, reinventada por mim.
- Que sorte! Conseguiste fazê-lo tão perto?-
- A verdade é que poderia tê-lo feito no sofá da minha sala... As grandes viagens são sempre ao centro do Mundo, do nosso mundo interior. E eu tenho sorte. Todos os dias viajo e me reinvento...Sou escritora.

Ana Amorim Dias

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Concretização

Concretização

Comemos mais ou menos em silêncio. Eu, pelo menos, abstraio-me um pouco da conversa técnica e voo para dentro. Tenho as ideias muito bem definidas no pensamento e nas várias páginas de rascunhos, escritas em três línguas diferentes, cujos rabiscos apenas eu consigo decifrar. É de suma importância que os meus planos para o documentários sejam aceites. Sei qual é o caminho para criar um produto que inspire, emocione e deixe as pessoas a pensar. Faço-o constantemente em poucas palavras escritas e mais fácil será fazê-lo com imagens, música, entrevista e movimento.
"Porque tens essa maldita mania de que a tua visão é a mais eficiente?", pergunto-me. "Terei em mim assim tanto de ditadora?"
- Ana?-
- Oui?...-
Tenho que regressar do limbo dos pensamentos. Começo por explicar que é imperativo que paremos de divagar e comecemos a assentar finalmente toda a estrutura do que se vai fazer. Se os consigo aliciar a seguir o caminho que quero tomar? Não sei. Mas que tenho de nos fazer a todos partir para a concretização, disso não tenho quaisquer dúvidas.

Ana Amorim Dias

Ps- A longa reunião terminou sem que eu tenha conseguido publicar a crónica, o que me dá agora a oportunidade de acrescentar: foi tudo aceite...acho que acabarei de escrever o meu primeiro documentário exatamente como quero!! Yesss!

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Ver a vida passar

Ver a vida passar

- Merci! - Digo ao músico de rua enquanto lhe ponho dinheiro no chapéu.
Sentada num banco, numa ponte sobre o Sena, delicio-me uns momentos com as músicas dele. Era imperativo agradecer-lhe.
Sigo o meu caminho sozinha, renovadamente encantada com a maravilhosa atmosfera. Devia estar a escrever, a preparar os textos para as reuniões de amanhã, mas tudo o que me ocorre é o que vos quero dizer a vocês. E por isso passeio, completamente sem rumo, tomando aleatoriamente as ruas e condensando em mim emoções e impressões enquanto me vai nascendo a crónica.

- Porque os anos passaram e não os vi passar!...- Dizia-me esta manhã o Eric.
- E já pensaste que se estivesses cheio de atenção, a observá-los a passar, não terias vivido nada? Se calhar é mesmo esse o truque: estarmos tão empenhados em viver intensamente quem nem vemos a vida a passar. Isto soa-me maravilhosamente, se queres que te diga!- respondi-lhe.

Observo as parisienses, impecavelmente arranjadas, e pergunto-me se algum incauto ser me tomaria por uma. Não me parece, sinto-me demasiado selvagem e livre de quaisquer grilhões para poder criar semelhante confusão. E de repente, observando os outros e fazendo o mesmo a mim própria, apercebo-me que, afinal, a viagem da vida pode muito bem conciliar-se com a contemplação da passagem dos anos. De facto isso até a intensifica. Da mesma forma que a música de rua nos traz mais emoção aos passeios.

Ana Amorim Dias


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Parada em Paris

Parada em Paris

Uma reunião matinal, na qual a explanação das minhas visões para um documentário quase me gasta a voz. Um almoço leve no Sir Winston e as longas e profundas conversas com a personagem real sobre a qual o meu último livro foi escrito. A tarde passada numa esplanada, sob o sol parisiense, a rever cortes e ajustes na biografia. A certeza de um jantar de trabalho com a directora artística e o produtor do documentário que antecederá o filme sobre a grande viagem do Eric. E, no meio de tudo isto, apercebo-me de que estou demasiado quieta. A cabeça fervilha e a criatividade exulta, mas não estou a passear.
Estar parada em Paris vai contra os meus princípios. Chega-me, entretanto, o ensinamento de que existem valores superiores que alteram as regras. Começo Paris minimamente bem . O que ainda não conheço totalmente são os confins das minhas capacidades e o que me podem levar a atingir. Deixo-me ficar quieta no espaço, tranquila por perceber que, mesmo imóvel, estou a viajar na minha própria expansão.

Ana Amorim Dias


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Brincar com pensamentos

Brincar com pensamentos

- Mãe?-
- Hum?-
- Ai, desculpa, estás a escrever a crónica...-
O João é reguila e, quando quer atenção, não desiste de a reclamar, mas tem a engraçada capacidade de respeitar sempre o calado espaço da minha escrita.
- Porque é que escreves, mami?-
- Porque é que brincas, João?-
- Porque gosto e é divertido!-
- Bem, eu escrevo pela mesma razão: gosto e é divertido. É como se brincasse com os meus pensamentos e isso faz-me muiiiiito feliz.-

Estou em vias de trocar de novo o horário da criação e publicação das diárias crónicas para o início da manhã, agora que a "loucura" do Verão me começa a abandonar os dias. Mas a verdade é que o horário da efetiva criação me é indiferente: já percebi há muito tempo que passo os dias inteiros com muita atenção à vida, a "brincar" à criação com pensamentos que dão outro sabor aos nossos (agradeço-vos por isso) dias.
Fico enternecida com a perceção deste filho irrequieto que só sabe parar de falar quando me vê a escrever. E concluo que quando fazemos exatamente aquilo que o Universo nos "manda", todas as forças conspiram para que o façamos mais... e melhor.

Ana Amorim Dias


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O corpo que se aguente

O corpo que se aguente!

Terminei o dia de trabalho à uma da manhã e nem me passou pela cabeça recusar a visita de amigas que chegaram pouco depois. Deitei-me algumas (demasiadas) horas mais tarde, com a garganta dorida de tanto rir e falar. E então dormi, mas pouco: acordei cedo, na urgência de ir para o mar que me chamava com um rugido excitante.
À tarde, tombada na cama, ocorreu-me que viver demais cansa o corpo. Viver muito e intensamente, acaba por trazer algumas "faturas" de desgaste e cansaço, é inevitável. Mas enquanto as pálpebras ameaçavam cerrar-se e eu teimava em manter-me acordada, teci outras considerações: será que quanto mais o corpo se gasta, mais a alma se constrói? Não será com algumas doses de insegurança, esforço, desgaste e desconforto físico que a essência mais floresce?

A vida real arrancou-me das considerações e do descanso. E agora, horas mais tarde, recordo parte de uma das muitas conversas de ontem à noite...
- O que temos de mais precioso é mesmo a nossa saúde.- disse uma das minhas amigas.
- Desculpa mas não concordo. - reclamei - O corpo envelhece, gasta-se, desmaterializa-se... Isto é um facto! Eu, pelo contrário, acredito que o nosso bem mais preciso é a alma porque, essa, é indestrutível.-

Percebo que, apesar de cansada, não me apetece deixar que o corpo se renda já ao final de mais um dia: a alma quer divertir-se mais um pouco; o corpo que se aguente!

Ana Amorim Dias

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O gene da luz

O gene da luz

Cheguei à Quinta e vi que as luzes da casa de banho do salão grande tinham ficado acesas. Deixei os miúdos em casa, caminhei para lá, desliguei tudo, fechei a porta atrás de mim e dirigi-me para casa. Podia ter caminhado pelo comprido alpendre, completamente escuro, ou pela estrada, iluminada pelo reflexo solar da lua cheia. A escolha foi instintiva: caminhei pela luz. Fiquei com a ideia de que qualquer humano tem em si o gene da luz...daí ter ficado a perguntar-me algo muito simples: se todos temos o instinto de seguir pela luz, porque é que nos empenhamos tanto em "meter-nos" constantemente em "escuridões"? A sério, não percebo!

Ana Amorim Dias

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Memória externa

Memória externa

Corri tudo. Vasculhei todos os locais onde ela poderia estar. Subi escadas. Desci escadas. Virei salas, escritório, armários e gavetas. Quando comecei a avaliar as perdas o coração encolheu. Milhares de músicas e fotografias, e incontáveis horas de trabalho.
"Pára, criatura! Respira fundo. Uma memória externa não se desmaterializa!" E, ao parar no meio da sala, olhei em volta e lá estava ela. Em cima de uma prateleira, mesmo em frente à minha cara, a desafiar-me com ar de gozo.
Ora no momento em que a irritação se foi, chegou a reflexão... Sou do tempo (sim, mesmo tendo só 39 anos, com o ritmo evolutivo destas últimas décadas, sinto-me no direito de falar assim!) em que as memórias se guardavam no cérebro (e coração?!) e, quanto muito, tínhamos álbuns de fotografias, blocos de notas e outros artefactos similares para nos ajudarem a reter a vida já vivida.
Nos dias que correm, quando perdemos a memória externa, sentimo-nos lobotomizados, profanados de grande parte da nossa identidade, reféns de uma existência que ficou, mais do que coxa, amputada.
Será inteligente depositarmos partes tão importantes das nossas vidas em pequeninas caixas de megabites? A não ser aí, onde as guardaríamos, então? Na cabeça (e coração) por vezes tantas memórias não cabem, e escorrem, fugidias, para um qualquer limbo perdido, só voltando à consciência quando se vêem as fotos, ouvem as músicas ou lêem os textos.
Quando eu era miúda, tiravam-se fotografias nas ocasiões especiais. Hoje qualquer momento bom é registado. E se temos a possibilidade de ver, tempos depois, milhares e milhares de imagens que nos fazem reviver outras tantas vivências especiais, devemos rejubilar por isso! A memória externa é algo genialmente fabuloso que cumpre bem a função de nos fazer mais perfeitos, por isso vou comprar outra e guardar duplamente tudo para não apanhar mais sustos!

Ana Amorim Dias



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Algo bem melhor

Algo bem melhor

Liguei-lhe tão aflita que o pobre rapaz ficou a pensar que eu estava com um problema sério.
- Tem calma! O que foi?- perguntou-me.
- Foi que estive duas horas a entrar em todas as lojas deste maldito centro comercial e não encontrei as botas pretas de que preciso!!-
- Êh pá... Isso é grave!- (ele conhece-me tão bem) - Porque não esperas pela loja de peles que vem sempre à feira de Faro? Lá deves encontrar o que procuras...-
- Mas preciso das botas para levar a Paris, daqui a uns dias!!-
- E porque não tiramos amanhã o dia para as procurar melhor noutros centros comerciais?-

Não é uma rendição à sociedade de consumo, mas como preciso mesmo das botas disse-lhe logo que sim. Passámos a manhã em busca das esquivas botas pretas que tenho em mente e que teimam em não me aparecer, até que as praias começaram a "chamar" por nós. Rendi-me, um pouco dececionada, à evidência dos factos: provavelmente não levarei botas novas.
Regressámos a casa sem as ditas cujas mas felizes devido a um dia maravilhosamente passado. E foi então que me lembrei: as deceções costumam ser apenas uma conspiração do Universo para algo bem melhor!

Ana Amorim Dias

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Indomáveis

Indomáveis

Pensando agora mais friamente no caso, percebo que só não lhe bati por me ter revisto nele.

Cinco da tarde. Lanchou e saiu de casa, avisando que ia andar de bicicleta. Eu fui trabalhar um pouco no computador e acabei por cair num sono leve e, não sei porquê, inquieto.
Despertei quase às sete.
- Tomás, viste o João?-
- Não, mãe, ainda não voltou.-
Saí de casa. Chamei e chamei. Nada. Não estava a pescar na barragem, nem na casa da árvore nem sequer na vazia casa da avó. A bicicleta abandonada nos estábulos. Voltei a chamar. Com o coração aos saltos fui procurá-lo de carro e concluí que na Quinta não estava. Algo me dizia que com a avó também não estaria mas liguei-lhe mesmo assim.
- Estou numa reunião,- disse-me ela - mas ia telefonar-te mesmo agora: ligaram-me agora a dizer que o viram para os lados do Montinho.
Segui para lá a voar.
E lá vinha ele, pelo lado errado da estrada, a ouvir música no (inativo) telemóvel, com um cão rafeiro ao seu lado.
- Em que estavas tu a pensar, João? Não te ocorreu que eu podia estar a morrer de preocupação?-
- Então, apeteceu-me passear e fui ao café do Montinho (são quinze minutos a andar pela estrada) beber um sumo...- respondeu como quem acha que não fez nada de mal.
E eu, que estava demasiado assustada para ser racional, decidi dar-lhe de imediato alguns castigos.

- Percebeste agora, João?-
- Sim, mãe, o meu território por enquanto é só a Quinta...-
Acabei de lhe explicar há dez minutos que no Mundo também há gente má (infelizmente teve que ser) e de lhe fazer ver que compreendo e valorizo a sua grande autonomia e sede de liberdade (de quem a terá herdado?) mas que apenas devemos explorar territórios cujos perigos estamos já preparados para enfrentar.
- Se aos dezoito me disseres que queres ir conhecer o Mundo, eu vou deixar-te ir, filho, mas agora é cedo demais, ainda não é sensato! Eu compreendo essa tua sede de viver, mas tu também tens de tentar compreender a minha preocupação!-
- Pronto, mãe, não saio mais da Quinta sozinho.-

Sei que os genes indomáveis da autonomia e liberdade lhe foram transmitidos por mim, por isso amanhã sem falta vou carregar-lhe o telefone!

Ana Amorim Dias



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16.9.13

Guerreira

Guerreira

- Tinhas razão, Ana!- disse-me ele com um sorriso radiante.
Há uns tempos atrás eu dissera-lhe que, no fim, a conversa dos noivos é sempre a mesma: "Superou muito as nossas expetativas!" Assegurei-lhe que ele não seria exceção e me diria exatamente o mesmo, no final da sua festa.

Não faço pinturas de guerra nem uso camuflagem, ou melhor, se calhar sim: uma sombra suave e rímel nos olhos; uma roupa minimamente elegante que se conjugue bem com confortáveis botas de montanha (sim, é possível!), e estou pronta para a batalha!

Esta alegoria usa a guerra de uma forma diferente, não sangrenta, em que o belicismo nada mais é que do que a nossa determinação em sermos muito bons no que fazemos. Reconheço a tremenda sorte que tenho por adorar todas as minhas batalhas laborais. Há, no entanto, algumas que intimidam ao ponto de quase me roubarem o sono e me fazerem pensar que sou louca por aceitar assumir tão assustadores desafios. Sei que a minha vida não corre perigo, mas há por vezes em jogo valores de quase igual importância, como a honra, a competência e o nome. A realidade é que, no mercado empresarial, honra, competência e nome, equivalem à vida!

Preparação
Ninguém no seu juízo perfeito se deve lançar numa guerra sem o máximo de preparação possível. Muito treino. Armas preparadíssimas e mil vezes verificadas. Tropas bem motivadas, apaixonadas pela causa. Estratégia, planeamento. E munições! Munições em quantidade suficiente para garantir a vitória.

Nos primeiros anos ficava um pouco nervosa no momento em que a Quinta do Monte era invadida por "hordas de cossacos" esfomeados e sequiosos. Depois aprendi que o truque estava na extrema preparação... Mas não só...

Mentalização
Nenhuma tropa, por muito bons que os soldados sejam, consegue ganhar a guerra se for conduzida por um líder inseguro e desorientado. Um líder não tem só que ir à frente dos seus soldados, com bravura e inteligência; um líder tem que saber decidir tudo a todo o momento e, acima de tudo, tem que sentir-se guerreiro e inspirar a máxima confiança a quem o segue.


Podem vir 30 ou 300. É sempre uma "guerra". Nunca me permito colocar em causa a honra, a competência e o nome "Quinta do Monte"! Tudo tem que ser perfeito. Tudo tem que superar as expetativas. Por isso, quando os comensais começam a chegar, renovo o entusiasmo das tropas para os encherem de munições feitas de comida, bebida e simpatia; e transformo-me de novo na guerreira que tanto adoro ser.

Ana Amorim Dias

A caminho da escola

A caminho da escola

- Meninos?-
- Diz, mãe.-
- O que esperam do ano letivo que hoje começa?-
Íamos a caminho das suas escolas e a excitação já os deixara bem despertos mas, apanhados de surpresa, só responderam disparates.
- Não, não, não! Nada disso! O que vocês devem esperar e ambicionar é uma coisa só: conhecimento!-
- Sim, mãe...-
- Uma das coisas mais valiosas que podemos possuir, guardamo-la aqui- bati com o indicador nas têmporas- o conhecimento é uma das ferramentas que mais vantagens nos pode dar em qualquer situação, percebem? Devem lutar por obtê-lo e guardá-lo bem. E por treinar ao máximo a vossa capacidade de pensar.

Ao vê-los, pouco depois, a caminhar para as escolas, com as suas mochilas às costas, fiquei a torcer para que se lembrem todos os dias disto: da importância de tentar fazer do cérebro uma esponja.

Ana Amorim Dias

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Sublimes comunhões

Sublimes comunhões

Quando os conteúdos são mais arrojados, gosto de avisar primeiro, não vá algum incauto púdico ler o que não queria.
Apesar de usar palavras suaves, antes de me iniciar na divagação, deixo o alerta: se lerem para além destes dois parágrafos, é por vossa conta e risco.

Parece que, na Rússia, andam a aparecer lições para quem queira aprender ou aperfeiçoar a "arte" do fellatio. Até aqui nada de novo, pelo menos na minha despreconceituosa forma de ver as coisas. Ora a razão de ser desta crónica nem é o fellacio em si e sim a reação de horror que a notícia de tais aulitas desencadeou em certos seres. Não bastando invocar que tais práticas levam à alienação e perda de identidade da mulher, bem como à miséria humana, a massa crítica ainda se fartou de "bater" (quem quiser pode rir agora com a bela escolha verbal) nos pobres russos, alegando serem uns desalmados materialistas sem qualquer espiritualidade. Conheço bastantes russos e, tanto quanto sei, apesar de um pouco ruidosos e loucos, são extremamente hospitaleiros e dados.
Mas voltemos às lições de fellatio! Para quê tanta indignação? Não são aulas sobre como praticar nenhum crime e quem tem vontade de aprender a fazer melhor as coisas deve sempre investir no desenvolvimento das suas habilidades, certo? Haverá perda de identidade da mulher pelo facto de também exprimir o seu amor dessa forma? Claro que não, muito pelo contrário.
Tudo isto deixa-me a pensar que continuam a existir demasiados tabus e que é em parte por culpa deles que as pessoas são tão ignorantes e preconceituosas.
Não posso terminar sem chamar a atenção para o seguinte: miséria é viver sem saber como dar e receber amor; é passar pela existência sem experimentar os inócuos e soberbos prazeres partilhados com paixão. Miséria é vivermos sem nos rendermos e entregarmos, com amor, a comunhões sublimes.

Ana Amorim Dias

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Quatro anos - 12 de Setembro

Quatro anos

Sentei-me e comecei. O que não sabia é que não mais iria parar.

"A chuva batia nas velas com crescente intensidade e vagas ferozes irritavam a obstinada resistência daquelas madeiras, maduras de tantas batalhas vencidas.
- Não me levas a melhor, pelas barbas de Neptuno!- gritava, rindo, Sebastien, comandante improvável daquele galeão pirata.
Provocado pelos elementos, com a adrenalina em crescendo, Sebastien rejubilava de excitação e contentamento.
- Mantenham-se firmes. Façam-se à vida nesta luta injusta, pois só olhando a morte de frente podemos saborear o gosto pela vida!"

Eram umas nove (ou dez?) da noite quando a minha primeira história iniciou o seu parto. E isso aconteceu precisamente (só hoje me apercebi) com águas a rebentar; com um naufrágio.
Faz esta noite quatro anos que comecei a escrever. Não consegui voltar a parar. Creio que tal jamais será possível.
Quatro anos. Cinco livros. Sete histórias. Cerca de novecentas crónicas. Poemas. Canções. Artigos. Entrevistas. Uma vida inteira em quatro anos.
Conheci muitas pessoas pelo caminho. Descobri melhor outras que pensava conhecer. Vivi coisas que não me teria lançado a viver se não fosse para as descrever. Procurei. Descobri. Descobri-me. Faço-o todos os dias.
Agora sou mais mulher. Sou mais homem. Mais anciã. Mais criança. Mais pessoa e mais humana.
Ao longo destes quatro anos desenvolvi o raciocínio, aprendi sobre a coerência, agucei a curiosidade, a emoção, a sensibilidade. Tornei-me melhor, sei que sim.
O sabor perfeito trazido por tudo o que evoluí só pode ser melhorado pela vossa presença constante. Desde quem já me acompanha e inspira há anos, até quem só há pouco tempo "chegou", são todos vocês a outra metade do "combustível" que me move.
Por estarem aí, o meu sentido obrigada.
E agora venham mais quatro!

Ana Amorim Dias



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Sobre energia e géneros

Sobre energia e géneros

Li. Voltei a ler. E ainda tornei a somar de novo as letras em palavras e as palavras em frases, atenta a todo o contexto, para ver se teria compreendido bem ou se uma interpretação errónea estaria a ser por mim dada àquilo que o emissor escrevera. O texto defendia que as mulheres são sempre (repito: sempre) exploradas, quanto mais não seja emocionalmente, pelos homens; preconizava que a mulher é sempre (!) esvaziada de si pelo sexo oposto.
Pensei em responder, queria comentar, mas abstive-me de o fazer. Preferi ponderar bastante antes de dissertar sobre o tema. E optei por fazê-lo em sede própria: não em "casa alheia" e sim no sereno conforto do meu próprio espaço virtual.
Entristece-me profundamente que haja mulheres tão revoltadas contra os homens. Talvez tenham sofrido demais às mãos de alguns, mas o certo é que o sofrimento não deveria ter o poder de toldar a lucidez lógica e cristalina do raciocínio. A maldade não escolhe géneros. O todo não pode ser julgado pela parte. E o "sempre" é demasiado absoluto para ser levianamente usado.
Sou mulher e, sim, vejo a minha energia constantemente "ao serviço" de vários homens. Bem como a tenho amiúde "à disposição" de muitas mulheres. Ser pessoa, ser humano, ser social, implica a troca energética. Inevitavelmente. De milhões de maneiras diferentes.
Bem sei que, infelizmente, há muitos tipos de hediondos crimes cometidos contra mulheres, um pouco por todo o mundo, a todo o instante. Mas também muitos há contra os homens. E a desumanidade não escolhe géneros, volto a repetir. Já vi muitos homens a adorarem e respeitarem mais a Mulher (em geral) do que muitas mulheres têm a capacidade de fazer.
"Sempre emocionalmente vampirizadas"? Não! De forma alguma! Num contexto de existências comuns e desligadas de patologias psicológicas, a mulher não vê a sua energia roubada, esvaziada ou vampirizada. Pelo contrário, dá-a de boa vontade, com amor, a outros homens e mulheres. Da mesma forma que o homem a dá, também, com amor, a outros homens e mulheres.
Ser humano é isto: dar e receber energia. E devia ser também ter a capacidade de perdoar e não ter um rancor tão imenso que se estende a um género inteiro...

Ana Amorim Dias

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Anjos

Anjos

Vi recentemente imagens, captadas pela câmara de vigilância de uma qualquer estrada (segundo dizem) chinesa, que mostram um anjo a salvar um ciclista de ser atropelado. À primeira vista, por mais incrível que possa parecer, o vídeo aparenta uma legitimidade inegável. E à segunda e terceira também. Rapidamente surgem vozes a contestar a veracidade do que se vê. Cabe-nos a nós decidir se estamos ou não a ver um anjo em ação ou se aquilo é apenas produto de algum engenhoso técnico de imagem.
Neste caso em particular é-me indiferente a veracidade do que vi: tão feliz fico por ter de facto visto um anjo como por ter observado o produto do trabalho de alguém decidido a fazer crer ao Mundo que os anjos estão entre nós. O esforço de alguém assim só me confirma o que já sei: existem anjos, sem dúvida. Basta recordarmos as simples situações em que a nossa irritação se desvanece perante a presença de alguém (muitas vezes a última pessoa que esperaríamos ser capaz de o fazer) que nos acalma.
A todos os anjos da minha vida, visíveis e invisíveis, a minha gratidão infinita!

Ana Amorim Dias

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Vitimização

Vitimização

Tenho que me controlar bastante quando vêm fazer o papel de vítimas para junto de mim. O primeiro instinto é fazer uso do velho sábio par de estalos, mas depois recordo-me que as ofensas à integridade física constituem crime e que a violência não costuma ser solução para nenhum caso (imaginem então usá-la ao lidar com maníacos da vitimização!)
Não digo que essas pessoas não tenham também a sua dose de problemas, sofrimentos e injustiças; não digo sequer que não se possam queixar um pouco da vida e suas maldades, mas fazer disso uma bandeira e escolher sentir uma constante pena de si mesmas só piora tudo.
Os maníacos da vitimização nem se devem certamente aperceber que o começam a fazer com uma constância e veemência tais que se viciam em buscar o sentimento de piedade por si em todos com quem se relacionam. Mas o pior de tudo é quando se trata de pessoas absolutamente saudáveis, inteligentes e capazes, com vidas que fariam a inveja de muitos!

- Deixa-te de merdas!! Tu já viste bem que blá, blá, blá, blá, blábláblá? - e vou enumerando todos os pontos positivos de que me consigo lembrar, sempre com a sensação de que um bom par de nalgadas devia fazer melhor efeito.
E fico a perguntar-me como se "trata" esta maleita da vitimização. Como se pode fazer com que quem sofre deste mal se liberte dele? Explicando os factos? Fazendo ver que se se optar pela atitude de guerreiro se tem muito mais hipóteses de ser feliz? Argumentando que nada do que de mal se possa passar é uma ofensa pessoal e específica à sua pessoa?
Tenho aprendido a lidar com muitos tipos de gente e diferentes problemáticas, mas confesso que a vitimização me põe os nervos em franja. Acho que se me impõe a atitude guerreira também para aprender a lidar com tais casos...

Ana Amorim Dias


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8.9.13

Um botão no ombro esquerdo

Um botão no ombro esquerdo

- Diz lá o que é que é preciso para descobrires onde está o teu botão do bom humor?-
- Leva-me a tomar uma meia de leite e eu começo a procurá-lo... - rosnei.
As manhãs nem sempre são fáceis, especialmente antes da cafeína entrar no sistema.

Um pouco mais tarde, no café: carrego com o indicador num sinal que tenho no ombro esquerdo. - Já está! Botão da boa disposição encontrado e ativado!
O Ricardo ri-se, aliviado. O Tomás encolhe os ombros, condescendente. E o João começa a "ligar" e "desligar" o sinal do meu ombro esquerdo, aguardando as minhas reações. Alterno os sorrisos amorosos com rosnadelas enfurecidas. Todos se riem até a brincadeira se perder numa outra qualquer distração.
Fica-me o conceito a boiar nos mares da alma: e se eu conferir reais poderes ao sinal do ombro esquerdo? E se, ao sentir-me insuportável, o pressionar, ficando efetivamente bem disposta? E se todos arranjássemos um "botão" de ânimo e boa disposição a que recorrêssemos com a certeza de funcionar?
Estou certa de que está tudo à distância de um "clique"... e da decisão de que o botão funciona.

Ana Amorim Dias

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lado a lado

Lado a lado

"Tens que o tentar entender, Ana! Se fosse ao contrário tu estarias preparada e aceitarias sem qualquer problema, mas sabes perfeitamente que isto lhe vai fazer muito mal! Espera um pouco mais, dá-lhe tempo..."
Ia no carro quando me chamei a mim mesma à razão. Se fosse qualquer outra pessoa a dizê-lo eu manteria o meu rumo e faria prevalecer a minha vontade. Mas como tenho o estranho hábito de me ouvir com atenção, aceitei sentar-me lado a lado comigo, e fazer negócio!

- Sempre que estiveres a negociar com alguém senta-te ao seu lado, nunca à sua frente!- disse-me, há uns meses, um dos meus heróis.
- Porquê?- perguntei-lhe.
- Sabes, Ana? O frente a frente potencia o ego, a oposição; fomenta uma hostilidade que em nada nos favorece. Pelo contrário, se te sentas lado a lado com a outra parte, consegues estabelecer uma sensação de estarem ambos do mesmo lado, desarmas, dás confiança e, com algum tato, baixas-lhe as defesas e a negociação acaba por te ser favorável.-

" Tens que ser paciente. As grandes batalhas não se ganham precipitamente. Não precisas de ir já sozinha de carro até à Croácia. Podes ir daqui a uns meses, dar-lhe mais tempo para se habituar à ideia e aceitar sem se magoar... qual é o stress?" - continuei, lado a lado comigo, em plena negociação.
" Olha que porra! Sabes bem que tenho que me sentir livre! Que tenho que ir embora quando entendo! Que me faz mal começar com cedências!"
" Às vezes és mesmo imatura... Não é perante ele que tens de fazer cedências. É perante ti que tens de estabelecer soluções de compromisso! Queres que ele fique infeliz e amargurado?"
" Não! Claro que não! Mas detesto colocar o bem estar dos outros à frente das minhas asas!!!"
" Vá lá. Trabalha essa tua impaciência, atrasa essa viagem até ele se habituar à ideia e arranja outros planos para agora, há tantas coisas que queres e podes fazer sem criar conflitos..."

- Ricardo?- assim que cheguei à quinta quis comunicar-lhe que tinha estado em negociações comigo.
- O que foi?- o ar um pouco aflito quase me fez rir.
- Lembras-te que em Outubro eu era para ir sozinha de carro até à Croácia?-
Um trejeito carrancudo.
- Pois bem, por essa altura faz uma mala. Vamos embora!-
- Para onde??-
- Não sei, vamos à aventura, logo se decide o destino!-
Abraçou-me com força enquanto me lançava um apaixonado: "Parvalhona!..."
- Mas a outra viagem não foi cancelada, só adiada.- avisei.

Aquilo que realmente queremos raramente nos é trazido de bandeja. A liberdade não se conquista à bruta, nasce também da tentativa de não ferir os outros. E a vida... bem, a vida é uma gaja muito sabida com quem convém negociar sempre lado a lado!

Ana Amorim Dias





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Pessoas-universo

Pessoas-Universo


Não faço ideia se o facto de se ser extrovertido ou tímido provém mais de fatores genéticos ou culturais e educacionais. Talvez dependa da conjugação de ambos. O certo é que quem é envergonhado tem muito a perder.

Desde miudita que me conheço como pessoa expansiva, capaz de meter conversa com qualquer pessoa e em qualquer situação. Mas só ao longo dos últimos anos é que me tenho apercebido da riqueza que tal característica nos pode acrescentar à vida.
Cada pessoa é um Mundo. Não! Cada pessoa é um Universo! E acredito firmemente que uma das nossas missões é ligarmo-nos uns aos outros para assim termos condições de expandir o entendimento e a sabedoria.
Reconheço a desmedida sorte de me ser natural falar com desconhecidos sem qualquer vergonha e de tentar, sempre que posso, conhecê-los um pouco melhor. A não ser assim já teria perdido muitas centenas de enriquecimentos que esses novos universos me trazem...

Os senhores do norte que assavam porcos no espeto e me contaram a vida toda enquanto me ofereciam os melhores pedaços de carne; o irmão de um noivo que ensina cegos do Nepal a dar massagens para terem como se sustentar; o mecânico sobrevivente com quem tenho conversas profundas; a "vizinha" do lado, numa feira medieval, que é caracterizadora e vai sozinha para a Costa Rica... E poderia continuar durante muitos parágrafos com a lista de encantadoras personagens da vida real que vou conhecendo a um alucinante ritmo.
Sei que temos muito a aprender uns com os outros e, no meu caso em particular, sei identificar de imediato quem, ao chegar à minha vida, vem com ensinamentos novos. Contudo, mais importante do que estar consciente desse facto, é saber que todas as pessoas-universo que chegam à nossa vida, vêm com a tarefa de nos ensinar algo mais sobre nós mesmos. E vice-versa, claro!

Ana Amorim Dias

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Zambujeira do Mar

Zambujeira do Mar. Duas horas na água a fazer bobyboard. A meio da odisseia, um pequeno anjo faz-me completamente feliz:
- A senhora é professora disto? - pergunta-me o desconhecido puto.
- Não! porquê?- contraponho, espantada.
- É que faz tão bem!-
Não consigo evitar: passo o resto da manhã a sentir-me uma verdadeira Neptuna!

Ana Amorim Dias

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Pergunto-me

Pergunto-me...

Pergunto-me quantas pessoas precisam de mudar as suas vidas. Quantas pessoas passam os dias, os meses e os anos a protelar decisões de fundo por falta de coragem? Quantas pessoas não gostam do que fazem? Quantas estão acomodadas em relacionamentos sem futuro nem sentido ou emoção por puro medo de ficarem sós? Quantas têm uma vida medíocre e adormecida, ganhando menos do que poderiam ou perdendo os seus talentos por falta de "oportunidades"?
Digam lá, se souberem, quantas pessoas conhecem que acordam para cada novo dia sem qualquer entusiasmo, apenas para se arrastarem em piloto automático até à hora de adormecer de novo? Quantas dormem mal? Quantas vivem no receio de não ter como pagar a próxima renda e conta da luz?
Por vezes é preciso mudar. Mudar tudo. Virar a vida ao avesso. Minimalizar em absoluto. Perder quase tudo. Viver com quase nada. Por vezes é necessário rasgar padrões, perder estatutos, desligar o botão do "o que é que vão pensar?" e ir viver com os pais ou com os tios ou vinte patamares abaixo do era habitual. Por vezes é preciso ir embora, ficar longe de quem mais se ama, para ter como voltar. E recomeçar.
Viver dá medo. Um medo do caraças. Mas surgem épocas em que, para se poder viver aos comandos da vida, é preciso encontrar a coragem de virar tudo ao contrário, quebrar as estruturas e começar de novo. Do zero. Ou quase.

Ana Amorim Dias

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Verão de 2036

Verão de 2036
Numa qualquer praia da Europa...

- Conte-nos como tudo começou.-
- Então... Deixe ver... Começou num centro comercial!-
- Num centro comercial?!?-
- Sim, eu estava a passar e vi a prancha. Ela olhou para mim, eu olhei para ela e meia hora depois estávamos as duas nas ondas. Foi assim que tudo começou.-
- O que sente ao sagrar-se campeã europeia de surf dos super séniores?-
- Bem... Estaria mais feliz com um Nobelzito da literatura... Mas isto também sabe bem.-

De volta à realidade do agora: uma hora no mar com a minha primeira prancha de surf. Já me equilibro deitada e sentada. Já a consigo virar e deslocar para onde quero... Já é alguma coisa. A humildade de aceitar fazer "figuras de urso" é pródiga de ensinamentos e proporciona experiências imperdíveis. O mar tem essa faculdade magnífica de nos "reduzir" à ausência de estatutos. Ali não sou a advogada rebelde, nem a organizadora de eventos mandona. Não sou a escritora impulsiva, a autodidata exigente nem a barmaid de serviço. Não sou mãe nem filha nem mulher. Sou eu, apenas eu, sem mais nada. O mar tem essa faculdade única de nos aumentar até à explosão de ligação ao Universo inteiro e de nos fazer responder à tal questão do "quantos anos terias se não soubesses quantos anos tens?" A resposta, lá no mar, é sempre a mesma: "tenho a idade da alma que habita este corpo salgado... que não sei quantos anos tem!"

Nota: aceitam-se lições de surf nos comentários.

Ana Amorim Dias

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Novas éticas

Novas éticas

Costumava adorar as festanças. Não é que já não goste, entenda-se, mas nos dias que correm acho que qualquer pessoa minimamente zelosa da sua imagem tem que pensar cinco vezes antes de ir a jantaradas e saídas de grupo com facebookaólicos. Não aprecio particularmente a publicação constante de fotografias de tudo o que se come, faz e vive ao longo de todas as horas dos dias, mas isso é lá com cada um. O verdadeiro problema surge-me quando decido socializar menos por não querer perder o controle daquilo que é publicado sobre mim. E quando opto por ir acabo por me esquivar bastante às fotografias tiradas com dispositivos alheios, cuja futura utilização não posso controlar.
Nunca aqui proibi a utilização das imagens e textos que publico. Assumo todas as fotografias e todas as palavras. No entanto creio que cada um de nós tem o direito de escolher o que sobre si é publicamente exposto.
- Não quero que publiquem qualquer fotografia minha a menos que me mostrem primeiro e eu esteja de acordo, está bem?- costumo pedir sem rodeios, logo à chegada. Depois, é claro, fico fula e descomponho quem usa a minha imagem sem acatar o que pedi.
Afinal somos ou não donos e senhores da nossa imagem? Com que direito é que se torna pública, a torto e a direito, a imagem alheia? Custará assim tanto ter o cuidado de pedir licença para expor eternamente ao mundo inteiro algo que não é nosso para disponibilizar tão levianamente? Creio que não custa nada tentar refrear um pouco a sofreguidão de protagonismo e começar a pensar mais nas regras de ética e boa educação que as novas realidades virtuais implicam.

Ana Amorim Dias

2.9.13

'Bora que eu vou-vos ganhar!

'Bora que eu vou-vos ganhar!

- André! André!!-
E o puto nada.
- André! Anda mais para aqui!-
O pai bem lhe gritava, meio aflito, para que se aproximasse mais da areia, mas o miúdo só queria estar com água pelo peito, onde já se apanhavam bem as ondas.

Olhei para aquele quadro pai/filho e comparei-o com o quadro pais/filhos que eu estava a protagonizar com a minha pequena tribo. Eu e o Ricardo com o Tomás e o João. Várias pranchas. Ondas fantásticas e uma temperatura de mar que nos permitiu estar três horas seguidas dentro dele.

Olhei para o pai do André que, já com uma considerável irritação, (como é possível estar-se irritado ao pé do mar?) insistia em chamar pelo André, que não lhe ligava nenhuma. E olhei para os meus filhos, felizes e seguros, a divertirem-se como loucos enquanto apanhavam ondas e competiam com o pai e com a mãe.

Não conheço o André de lado nenhum, e o pai muito menos, mas não hesitei em mandar ao puto um daqueles sorrisos que inspiram a mais rebeldia. Não sei se o garoto sentiu que enquanto nós estivéssemos por perto ele estaria em segurança, o certo é que foi deslizando nas ondas, a fazer ouvidos moucos ao pai.

Só desisti do mar quando os meus descendentes não aguentavam mais. O que acho que nunca vou desistir é de os acompanhar nas atividades que mais gostam enquanto a minha participação os fizer assim felizes. É bom acompanhá-los de bicicleta, saber dar-lhes as dicas no ski, discutir táticas de street surf (para quem não saiba, é o skate de duas rodas) e gritar para levantarem bem a frente da prancha de bodyboard para não se enrolarem nas ondas. É bom experimentar o surf com eles e, quem sabe, virmos a guiar cada um a sua mota. O que eu não vou querer nunca é demitir-me de viver, gritando para que voltem e não vivam eles também o que a vida tem de mais divertido e intenso. Não, decididamente não vou desistir de experimentar vivências para assim podermos divertir-nos todos juntos. Não vou desistir de lhes ensinar, de aprender com eles e nem de partilhar tantos momentos incríveis.
Só espero saber manter sempre o espírito de lhes continuar a dizer:
- Tomás! João! 'Bora, que eu vou-vos ganhar!!-

Ana Amorim Dias


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O complot

O complot

Às vezes fico com a impressão de que existe um complot inter-galáctico (ou de qualquer outro tipo) determinado a fazer com que a parte mais negra dos Homens se exponencie.
Não nos estou a tirar as culpas da mesquinhez, avareza, violência e raivas, transferindo-as para quaisquer outras entidades, energias ou organizações. Também não tenho a mínima veleidade de nos desresponsabilizar pela mais bárbara inércia de que podemos ser capazes: demitirmo-nos de pensar!
Tenho a vaga ideia (ou talvez o insano sonho?) de que, ativando o pensamento com uma seriedade consciente, se ativariam também todos os nobres sentimentos que correspondem à nossa verdadeira essência.
Imaginem um Mundo em que todas as pessoas ganhassem o hábito de pensar: todos entenderiam (porque é lógico) que o ódio só se detém com amor; que o perdão sincero é o único caminho para solucionar conflitos; que ganância gera perda e que a posse é uma ilusão. Se pensassem, as pessoas entenderiam que nada tem muita importância; que não há motivos para ter medo; e que a única lei que realmente é válida é a do amor. Se todas as pessoas pensassem com o cérebro inteiro sobre meia dúzia de coisas, isso faria com que o seu entendimento dos outros, da vida e de si mesmos fosse o verdadeiro.
Não sei se o tal complot existe ou não, mas estou segura de que, no momento em que a humanidade inteira se atrever a pensar, o salto evolutivo será assombroso.

Ana Amorim Dias

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Posso deitar-me contigo?

- Posso deitar-me contigo?-
- Claro que sim, meu amor!- como conseguiria resistir àquela vozinha doce e olhar amedrontado? - Vá, mas toca a dormir!
Alguns minutos de silêncio.
- Mãe? Que barulho foi este?-
- Os gatos.-
- Não, mãe! Estas pancadinhas, não ouviste?-
- Sei lá, deve ser o teu irmão no quarto dele.-
Fiquei incomodada por senti-lo com medo. Impôs-se uma pequena conversa.
- Óh João, tu sentes que eu tenho medo?-
- Não! Tu não tens medo!-
- Então porque é que tu tens medo? Não te sentes seguro ao pé de mim? Não sabes que aqui ninguém te faz mal? -
- Sim, eu sei... Mas às vezes tenho sonhos maus...-
- Ohh, meu bébé!- abri um abraço e aconcheguei-o bem junto ao meu peito.-
- Tens razão, agora ninguém me faz mal, isso era "entigamente", não é?-
- Sim, meu anjo. Isso era "entigamente"...
Adormeceu num instante, e eu fiquei a vê-lo dormir no meu abraço enquanto pensava em todos os mistérios da(s) vida(s).

Ana Amorim Dias

Comoventes angústias

Comoventes angústias

Eu estava deitada na cama, com a atenção no iPad, quando ela entrou. Percebi de imediato que alguma coisa não estava bem.
- O que tens?-
- Uma angústia... -
- Conta.- endireitei-me um pouco e dediquei toda a atenção a esta amiga de há tantos anos.
Narrou-me que tinha acabado de ver uma pessoa com quem deixou de se dar e que a expressão corporal dessa pessoa tinha sido a de: "Estou aqui, pronta para falar contigo se tu falares comigo..."
- E então?- quis eu saber.
- Não consegui. Não fui falar com ela.- respondeu-me.
- ...E agora sentes-te mal contigo mesma, é isso?-

Sou uma eterna apaixonada pelo Ser Humano. As pessoas, de todos os credos, cores, géneros, idades, raças (e por aí fora) atraem-me os pensamentos, ativam-me a curiosidade e propulsionam-me os sentimentos. A necessidade de escrever transforma-se quase em compulsão quando entro no campo da infinitude de nuances da humanidade. E o que mais me atrai é a capacidade que o Homem tem de me comover e emocionar com milhares de intrigantes manifestações da sua complexa composição interior.

- Sim, não fiquei bem comigo... Estou com uma angústia enorme.- confessou-me.
O meu sorriso condescendente e feliz confundiu-a. Apesar mais nova, fui tão maternal e apaziguadora quanto sempre consigo ser quando as situações assim exigem.
- Mas tu estás a rir-te de quê? -
- Oh querida... Não percebes? A tua angústia é uma coisa maravilhosa: é a garantia de que estás pronta e que na próxima oportunidade serás capaz de falar com essa pessoa!-
- Sim. Vou falar, podes estar certa!-

Sou apaixonada pelo fabuloso Ser Humano. Serei sempre. Não pelas pessoas irrepreensíveis e imaculadamente corretas, mas por todas as que deixam fermentar em si as angústias que lhes permitem perdoar e evoluir. Não me sinto atraída por quem não tem dúvidas e cumpre todas as regras, mas não sei resistir a quem é espontâneo, impulsivo e vive a constante guerra interior de tentar ser melhor.

Talvez a angústia da minha amiga se tenha esbatido. Mas querem saber a verdade? Espero que não. Espero que se tenha ativado ao ponto de procurar ela mesma a tal pessoa para tomarem um café e darem o mais carinhoso abraço.

Ana Amorim Dias

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Como se

Respira como se cada inspiração fosse eterna.
Sorri como se o teu rosto refletisse a mais completa alegria.
Ouve como se tudo fosse encantadora música.
Cheira como se tivesses o mais apurado faro.
Saboreia como se cada garfada te saciasse para sempre.
Fala como se a tua voz transportasse a sabedoria do universo inteiro.
Move-te como se o teu corpo planasse sobre paisagens incríveis.
Caminha como se fosses para uma festa no Olimpo.
Pensa como se todos os cérebros estivessem ligados ao teu.
Sente integralmente como se tudo aceitasses.

Quem ousa agir, pensar e sentir assim, acaba por descobrir alquimias inimagináveis.
Atreve-te a tentar

Ana Amorim Dias






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Tocar para quem se toca

Tocar para quem se toca

Quando eles se posicionaram em frente à nossa barraquinha, eu disse ao Tomás:
- Vês, baby? Vieram tocar para mim!-
- Êh! Lá estás tu com as tuas coisas! Não vieram nada tocar para ti!-
- Ai não? Eu já te provo que sim!

A primeira vez que ouvi os "Le Condor" foi há muitos anos, lá em cima, no castelo, numa das iniciais edições dos Dias Medievais de Castro Marim. Em todos os anos seguintes, as sensações causadas pelo flautista com ar de Cristo e pelos seus acompanhantes voltaram a repetir-se: um encantamento enigmático e uma alegria pacificadora, capazes de me fazer transpor os limites do tempo e entrar em sintonia com tudo.

Alinhado à nossa frente, com o flautista com ar de Cristo exatamente no meio, o numeroso grupo fazia a sua magia. E eu deixei que a música me transportasse para além dos portais da razão, afinal eles estavam a tocar para mim. Perante o ar embasbacado (também maravilhado?) do meu filho mais velho, embalei nas asas das melodias e sorri para os intérpretes, deixando talvez que se apercebessem que estavam a tocar o mais nevrálgico centro de alguém.

- E isto o que é?- perguntou o flautista com ar de Cristo, algumas horas mais tarde, apontando para os pãezinhos.
- Música para a tua boca.- respondi com um sorriso enquanto lhe estendia um pão que não o deixei pagar-me.
Devolveu o sorriso e deliciou-se enquanto trocávamos algumas palavras.

Passou-se mais algum tempo e o flautista voltou. Trazia companheiros para comprarem a delícia que tinha provado e trazia também um CD, que alegremente me ofereceu.
- Oh mãe... Eles tocaram mesmo para ti, não foi?!?- questionou o Tomás.
- Sabes, meu amor? Os artistas tocam sempre para quem se deixa tocar pela sua arte...-

O cd continua no rádio do carro. A tocar. A tocar-nos.

Ana Amorim Dias

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Estado original

Estado original

No meio de toda aquela confusão, consegui arranjar dois minutos para conversar um pouco com ele. Devido à forma como o diálogo começou a nascer, pressenti que talvez algo importante estivesse prestes a ser-me revelado. Como nunca quero correr o risco de perder "pitada" da vida, decidi esquecer tudo o resto e dedicar-me apenas a ouvi-lo.
- Somos todos peixinhos fora de água, sabe?-
- Peixinhos fora de água? Como assim?- perguntei, decidida a não o levar muito a sério.
- Sim! O nosso estado normal é em espírito e isto aqui no Mundo é muito violento para nós! Nascer, viver, morrer; tudo implica dor e sofrimento, coisas que não existem na nossa forma original. As pessoas estão é demasiado apegadas a tudo, até à dor, e não se apercebem que o seu estado normal é apenas em espírito.-

Horas depois, de forma completamente aleatória, apertei um pão e reparei na maneira como, ao largá-lo, readquiria a sua forma original. E então a lembrança das palavras do estranho homem invadiu-me o espaço interior.

Há uma tendência universal para tudo voltar ao seu estado original, para readquirir, após a pressão, a originária forma essencial. E nós? Qual é o nosso estado original? Presos às dores da vida? Ou ligados à invencível alegria do espírito? Haverá alguma ligação causal entre a consciência dessa alegria intrínseca e a activação de condições de vida mais aprazíveis? O esquecimento dessa alegria e perfeição essenciais tornará as existências mais difíceis? Estarão aqui encerradas as respostas que justificam a insatisfação de muitos que tudo têm e a alegria consistente de tanta gente humilde?

"Tudo tende a regressar ao seu estado original" repeti em voz alta, para me ouvir melhor. "O nosso estado original é pureza e alegria". Sorri e voltei ao rebuliço, completamente feliz.

Ana Amorim Dias



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