(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

24.5.13

Porto inseguro

Porto inseguro

Não sei se existem portos completamente seguros. Sei que há portos nos quais conseguimos sentir-nos protegidos, mas daí a serem capazes de nos proteger com total eficácia das mais fortes tempestades, já tenho as minhas dúvidas.
No fundo considero os portos muito seguros, os mais inseguros de todos. É que os barquinhos existem para navegar e não para ficar amarrados nos portos. Quanto mais seguros nos sentimos, menos vontade temos de nos fazer ao mar e cumprir as missões das nossas existências. Quanto mais nos habituamos a não enfrentar ventos e vagas, menos nos fortalecemos; mais a inércia se nos apodera das velas e o caruncho das madeiras.
"Small boat, deep sea" (pequeno barco, profundo mar) disseram-me um dia. Somos pequeninos e a vida é enorme, bem sei. Mas temos a obrigação de garantir que toda a segurança sentida em qualquer dos nossos portos seguros, não se transforma em medo de navegar. Porque a maior insegurança é correr o risco de chegar ao fim e perceber que não vivemos.

Ana Amorim Dias

O fim da rebaldaria

O fim da rebaldaria

Quanto mais simples melhor. O assunto até pode ser complicado, mas há sempre formas simples de o ver e abordar.
Alma. Coração. Cérebro. "Afinal quem é que manda aqui?", pergunto-me às vezes, sem aceitar render-me àquela rebaldaria. Bom, deixem-me lá abordar a questão como se fosse um miúdo de cinco anos porque esses é que são mesmo sábios!
Alma: uma espécie de nuvem branquinha que vive sempre dentro de nós e sabe coisas incríveis.
Coração: o motor do nosso corpo e a nascente do amor.
Cérebro: aquela máquina fantástica que faz falta exercitar e alimentar todos os dias.

Continuando no modo de sabedoria infantil, avanço para a vaca fria: porque é que há pessoas infelizes? Simples!! Porque deixam que estas três pecinhas andem numa rebaldaria!
Quem consiga fazer com que a alma, o coração e o cérebro funcionem em equipa torna-se completamente invencível. A sério, é mesmo assim!

O quê? Como é que os pomos em sintonia? Fácil: deixamos que o cérebro se cale e se alimente com as respostas da alma, enquanto o coração vai batendo de emoção.

Ana Amorim Dias

Reflexos

Reflexos

Qualquer pessoa sabe que a relação com o espelho nem sempre é fácil. Ou nos vemos mais gordos, mais velhos, menos apelativos, ou nos vemos banais; apenas mais alguém comum e sem grandes atributos no meio da normalidade humana. Mas também pode acontecer olharmos o nosso reflexo no espelho e vermos toda a beleza do mundo, condensada na imagem nítida que nos devolve quem na verdade somos.
Cada pessoa está para lá dos quilos e das rugas, das vestes e da expressão corporal que emana. Cada pessoa é mais que a boa ou má imagem que um espelho lhe devolve; é mais que a imagem que tem de si e que pensa entregar aos outros. Ocorre-me até que a mais verdadeira imagem que podemos refletir é a daquilo que pensamos; é a da forma como vivemos e agimos; como escolhemos mover-nos através do tempo e do espaço.
Caso te percas de ti e não saibas de quem é a imagem que o espelho te devolve, olha-te bem fundo nos olhos e reconhece-te. Tu és tu, apenas tu, acima de tudo tu. Único e irrepetível de todas as formas possíveis.

Ana Amorim Dias

Con los años que me quedan

Con los años que me quedan

Aproveito o facto de andarem todos lá fora para fazer o jantar com a música a soar bem alto. Três pauzinhos de incenso. O iPod no deck, em modo aleatório. Os brócolos, os calamares, os ovos com farinheira. Tudo a ser preparado numa cozinha estranhamente impecável. Abano-me ao ritmo certo. Sirvo-me de uma taça de vinho. Pela janela vejo os três, com a felicidade estampada nos corpos, montados no trator cor de tijolo.
"... sé que nuestro amor es verdadero, con los años que me quedan por vivir demonstraré quanto te quiero..."
A Glória Stefan começa a cantar a música que o meu pai, na última década, costumava dedicar à minha mãe, com o ar embevecido que só os grandes amores sabem vestir.
A comida olha para mim com tristeza, libertando odores que me trazem de novo a fome dos seus abraços, a sede daquele aperto, protetor como nenhum outro. Por uns momentos o coração fica-me do tamanho do corpo inteiro. Sou só sentir. Sou só saudade imensa daqueles lábios na minha testa, em jeito de benção. As lágrimas saltam, o corpo convulsiona-se. Deixo-me levar pelos braços angelicais da fortaleza perdida.
"...con los años que me quedan, te haré olvidar qualquier error, no quis herirte mi amor, sabes que eres mi adoracion, lo serás mi vida entera..."
Estas palavras também podiam ser para mim. Ergo-lhe o copo num brinde eterno, quase feliz.
" ...el tiempo te dirá si tienes fé en mi, que como yo te amé más nadie te podrá amar jamás.."
E então percebo, antes que a comida se queime com a minha ausência emocional, que o tempo trouxe a fé, sim. Que como ele me amou mais ninguém me poderá amar jamais. E que a tristeza daquele abraço que me falta nada mais é que a alegria imensa de um amor que não morre enquanto eu viver.
"...sé que aún me queda una oportunidad, sé que aún no es tarde para recapacitar, sé que nuestro amor es verdadero. Con los años que me quedan por vivir demonstraré quanto te quiero"
E eu? Eu sei que não são os anos que faltam a quem já se foi que lhes impedem as demonstrações de amor por quem ficou. Sei que nos continuarão a amar enquanto nos sobrarem anos de vida a nós.

Ana Amorim Dias

Resultado rápido

Resultado rápido

Ouvido no mercado de Cacela, junto a um vendedor de árvores:
- O inconveniente que tem é que essa planta cheira muito mal...-
- Pois, já ouvi dizer.-
- Dizem que é própria para o mau-olhado!-

Ainda estava a digerir esta, quando um senhor me entrega um papelito. Mesmo a calhar. Delicio-me com o texto todo, mas a cereja no topo do bolo encontra-se no fim do papel.
Leio alto a quem me acompanha e, no meio das gargalhadas, comento que tenho que lá ir, encomendar um best seller internacional.
- Mãe, o que é um best seller?-
Explico-lhe.
- Mas pergunta primeiro quanto é, senão leva-te o lucro todo!
Continuo a rir.
Que tentador!! O senhor além de espiritualista também é cientista. Fantástico. Muito completo. Pena só fazer magia a preto e branco. Eu cá sei fazê-la às cores! Fico sem perceber é a parte dos mal-feitiços mas calculo que esteja relacionado com a planta das outras senhoras.
Quanto aos resultados rápidos é que sobram muitas dúvidas. Todos sabem que os problemas de amor só se resolvem com o tempo; que os casamentos só funcionam com anos de dedicação; que a impotência tem curas clínicas; que a inveja só afeta quem lhe liga; que a superação de vícios depende da força de vontade e que os negócios implicam anos de dedicação e trabalho.
Que o senhor seja espiritualista e cientista até engulo; que faça magia a preto e brando, a escolha das cores é lá com ele. Mas que os resultados sejam rápidos? Ai que vontade de rir!
Somos os construtores da nossa sorte e destino. Todos os dias, a cada minuto. É por isso que sei que os resultados... nunca são pagos depois.

Ana Amorim Dias

Recomeçar é viver

Recomeçar é viver

Não sei se alguma vez vou gostar de domingos. Há algo no domingo que me perturba, me deixa inquieta, impaciente. Domingo é por excelência o dia da inércia, aquele em que é suposto descansar dos excessos de sexta e sábado; aquele em que é preciso retemperar forças para a semana que se aproxima.
Não gosto de marasmos. Nem de fins. Nem de domingos. Porque estes, se lhes permitirmos, tendem mesmo a reunir toda quietude do fim de um ciclo.
Os domingos são quase tão deprimentes como terminar um livro ou estar muito tempo sem sol. São aquele espaço de tempo que antecede o recomeço. E o recomeço é demasiado bom para ter que se esperar tanto por ele.

Ana Amorim Dias
Ana Amorim Dias

Biografia de Eric Lobo - O aperitivo

Meus anjos, vou deixar aqui só um "niquinho" da biografia do Eric. Já me dizem se vão querer ler ou não!

Algures no capítulo 15...

"Fica calado. Está semi-catatónico e eu não percebo porquê.
- "Partir ou morrer", Eric. Não é este o teu lema?-
- Da lenda. Não da realidade.-
- Deixa de ser infantil! O Eric real é uma lenda e a própria lenda é real, está aqui, sentado à minha frente! -
- Se calhar estão todos a impor-me essa realidade.-
Como o animo? Afinal o que é que ele tem?
- Partir faz parte de ti, sempre fará. Não há nada que mude isso! Percebo que talvez te sintas um pouco só no meio de tudo isto e até entendo que possas sonhar, por vezes, com a tradicional vida de pai de família ou com um relacionamento duradouro, mas já pensaste na forma como isso te amputaria os planos? Já pensaste que se tiveres agora uma mulher para estar ao teu lado o resto da vida, ela não iria aceitar que partisses para uma viagem da qual há fortes probabilidades de não voltares?-
- E depois? Eu sou racional o suficiente para alterar os meus planos, adaptá-los, não ir. O amor a sério vale isso tudo.-
- Caramba, Eric: a história normalmente não é escrita por pessoas que ficam a ver a novela todas as noites de mãos dadas! Se desistisses dos teus planos o amor não sobreviveria porque em pouco tempo chegaria o arrependimento e, depois, o ressentimento. Já pensaste porque é que as mulheres que te amaram te deixaram partir? Porque não te podiam impedir, porque te amavam e não te queriam matar em vida. Mesmo a Patrícia, com toda a tristeza que ainda guardas do que aconteceu! Eu entendo-a bem, sabes? A mensagem que te mandou quando estavas no Canadá, a dizer que tudo tinha acabado... Eu entendo-a. Porque quando se ama muito, ou se consegue manter o outro sempre junto de nós, ou há que deixá-lo partir de vez para podermos saborear em paz o amor que lhe temos. -
- Tu és estranha!-
- Talvez, mas acredito no que digo. E um homem como tu fica facilmente debilitado por causa do amor. Quando vais entender que as mulheres te podem roubar a força?-
- Isso não se pode roubar.-
- Bolas!-
- O que foi?-
- Nada, acho que nunca antes tinha compreendido a metáfora do canto das sereias como a estou a entender agora. Podes pensar que uma mulher que ames não te rouba as forças, mas se te desvia dos teus planos e da tua missão... (...)
- Onde é que tu andas?-
Apanha-me a divagar e estranha a ausência do meu foco em si.
- Hã? Desculpa. Que dizias?-
- Perguntava se já te chega de café!-
Provoca-me gargalhadas.
- Sim, a dose diária foi cumprida, muito obrigada.-
Ele pesquisa o IPhone.
- Amanhã vai estar bom tempo, o que queres ir conhecer?-
- Mónaco? Cannes? Ou não te apetece ir tão longe?- esqueço-me que estou a falar com a pessoa que vai "ali" a Kiev ter com os amigos quando tem saudades.
- Para ir de mota deve ser desconfortável para ti, até porque à noite vamos jantar a casa do Bernard e fica para o outro lado...-
- Nesse caso vamos de carro, ou escolhemos outro destino, não há problema nenhum.-
- Vamos, então?-
- Sim, mas tens que me prometer uma coisa!-
- Diz.-
- Leva-me a um sítio que tenha uma mesa de matraquilhos. Vou derrotar-te!-
Saímos do café. Eu com um ar muito sério e ele a rir às gargalhadas. (...)

17.5.13

Paixão inteligente

Paixão inteligente

A paixão afinal não é um sentimento de amor descontrolado.
A paixão é um exercício de inteligência. A paixão implica persistência e vontade de se estar apaixonado. Não da primeira nem da segunda vez em que nos bate com força. Não nas primeiras semanas ou meses em que nos deixamos levar pelas explosões vulcânicas das nossas entranhas emocionais. Mas depois disso, se se quer paixão, há que lutar por ela.
Dizem as más línguas que não podemos viver sempre apaixonados; que não podemos surfar eternamente na crista dessa viciante onda do sentir. Realmente há momentos em que parece impossível estar sempre lá em cima. Mas é aí que a persistência e a inteligência devem começar a cumprir o seu papel. A persistência é o que nos faz subir para a prancha todos os dias e dar aos braços para apanhar a tal onda. A inteligência é o que nos mostra o caminho certo para chegar à paixão constante e duradoura; é a ferramenta sem a qual não agimos e reagimos de maneira a prender o outro, a cada novo dia, na nossa teia de encantos.

Ana Amorim Dias

Bom dia Eric!

Bom dia Eric!

Tenho que te contar uma coisa mas primeiro pára lá com o tique das pernas aos saltinhos e vai buscar o teu café à Clooney que eu espero.
Voltaste? Muito bem, então cá vai: terminei hoje, à uma da manhã, a tua biografia. Mando-ta nos próximos dias, depois de revista e corrigida. Tem só um pouco mais de paciência. Tenho a certeza absoluta que te vai encantar; que vais sorrir enternecido, vais rir, talvez até verter uma lagrimita numa ou noutra parte. Enfim, vais emocionar-te com a leitura do retrato escrito que fiz da tua emocionante vida ao longo destes trinta e tal dias que não posso dizer que tenham sido de trabalho. Foram antes dias felizes, pautados por um ritmo criativo por vezes alucinante que me permitiram viver o delicioso prazer de contar os teus quarenta e nove anos de intermináveis aventuras.
Tenho vários agradecimentos a fazer-te, todos eles eternos e profundamente sentidos. Obrigada por teres confiado a tua vida às minhas palavras. Obrigada pela encantadora forma como me recebeste e pela paciência infinita com que, nos últimos dois meses, mantiveste para comigo uma disponibilidade total. Obrigada por te teres mostrado integralmente em todas as tuas vitórias, fracassos, forças e fraquezas; por me teres entregue todos os paradoxos de homem tão forte quanto frágil; por me teres confiado segredos que uma pessoa normal jamais aceitaria contar a quem lhe estivesse a escrever a vida.
Confesso-te que fiquei sem vontade de voltar a escrever a biografia de quem quer que seja (a não ser talvez a minha, num futuro ainda longínquo) pelo simples facto de me parecer impossível voltar a ter por "objeto" quem te possa superar. Pela personalidade, pelos feitos e pela forma como te conduzes perante a vida e perante as pessoas. Não é qualquer pessoa que tem livros com prefácios escritos pelo Fidel Castro; que viveu momentos históricos no local; que esteve no meio de guerras e agiu com uma humanidade incrível. Poucas pessoas viajaram o que tu viajaste, viram o que viste, sentiram o que sentiste e privaram com quem privaste. Poucas pessoas se decidem a renascer das cinzas e testar a sua resiliência com feitos tão significativos e resgatadores da bondade humana como tu. É por isso que creio que não voltarei a narrar a vida de mais ninguém.
Agradeço-te tudo o que contigo aprendi, cresci e evolui. Creio que posso dizer que me marcaste, como sei que marcas todos com quem te cruzas. Garanto-te, de novo e em público, que é inegável esse poder que tens, de acrescentar muitas coisas boas à vida de toda a gente.
Termino com mais dois pensamentos. A tua maior qualidade? Acreditares que todas as pessoas são boas e dedicares a tua vida a provar isso mesmo. A tua missão? Fazer nascer os sonhos na vontade de todos os Homens. Mas fazê-los nascer com uma tal consistência que és bem capaz de ser responsável pelas mudanças na vida de muita gente.
Agora vai lá continuar a preparar a expedição da volta ao Mundo dos cem graus celcius; vai lá escolher uma mota apropriada para enfrentar o frio glacial e estudar as características dos ursos que vais encontrar pelo caminho. Mas por favor não te esqueças que, ao contrário dos humanos, os ursos talvez não se rendam ao teu encantador sorriso.

Ana Amorim Dias

Turbo mental

Turbo mental

A falta de energia dá-me um stress do caraças. Até posso estar parada, mas que não seja naquele estado de prostração de quem esteve a dormir a sesta e inviabilizou o resto do dia.
Gosto mesmo é de sentir que ando movida a plutónio e que as metas ambiciosas a que me proponho afinal se tornam banais.
Mas a melhor sensação de todas é ligar o turbo mental, aquele dispositivo que, quando conectado, nos coloca a mente num funcionamento veloz e de tal forma eficiente que deixam de existir barreiras para a nossa compreensão.
E quem julga que não veio com o turbo mental instalado que experimente, se faz favor, ligar a ignição da curiosidade e do entusiasmo: o turbo mental ativa-se e já não há como pará-lo!

Ana Amorim Dias

Eterno predador

Eterno predador

Deviam ser umas quatro da manhã. A estrada já quase não tinha ninguém, o que me facilitou as manobras para evitar a colisão. Quando vi a sua presença, comecei a reduzir, a meter mudanças mais baixas, buzinei e até fiz sinais de luzes para que saísse da frente, mas o estupor do coelho parecia determinado a querer encontrar o criador nessa mesma noite.
Este episódio aconteceu há muitos anos e, desde então, já perdi a conta a quantos coelhos, lebres, perdizes, camaleões e lagartixas salvei a vida, tornando-me numa espécie de fada protetora destes simpáticos bichinhos.
Na sexta à noite, por exemplo, ao voltar para casa com as crianças, lá fiz as manobras que já bem conhecem para salvar a vida a uma lebre.
- Oh mãe.. - começou o Tomás. - Tu mudaste mesmo o pai!
- Ah sim? E porquê?
- Então, antes ele fazia pontaria aos bichos, até saía da estrada se fosse preciso, para os matar e trazer para casa. Agora faz como tu: abranda e desvia-se!-
Na altura não pensei mais no assunto mas, agora que escrevo sobre isto, não posso evitar perguntar: "Ana, o que é que fizeste?". Poderá a mulher tirar realmente o caçador que existe no homem?? A ser assim, será isso bom, ou um desvio contra natura? Em qualquer dos contextos, o homem é predador. E, analisando bem a questão, não me parece que nós mulheres nos possamos iludir com estas alterações pontuais. Até podem poupar a presa por nós, se não tiverem necessidade dela mas, caso a fome lhes chegue, os homens serão para sempre uns eternos predadores.

Ana Amorim Dias

Usar o filtro

Usar o filtro

- Dá o melhor de ti. - Entrega-te completamente. - Mergulha por inteiro nas coisas. - Esforça-te ao máximo. - Faças o que fizeres, dá cem por cento!-
Estas palavras de motivação, inspiração e encorajamento ouvem-se e lêem-se por todos os lados, mas quem as tente seguir sempre, ou é louco ou completamente estúpido.
Dar o melhor de nós nem sempre é a melhor opção. Há casos em que somos salvos pelo mau génio, pela falta de paciência, pelo espírito contestatário e por tantos outros atributos, à partida menos bons.
Entregar-nos completamente? Claro que sim. Porque não? Mas protegidos: sempre com a consciência de que a confiança absoluta apenas deve recair sobre nós mesmos.
Mergulhar por inteiro nas coisas também é fantástico. Sobretudo naquilo que mais nos apaixona. Mas a vida não é estanque nem arrumada em gavetas e não podemos esquecer que, ao mergulharmos por inteiro em algo, corremos o risco de deixar de viver tudo o resto.
Esforçar-nos ao máximo é errado. Quando nos temos que esforçar ao máximo não estamos a cumprir a nossa missão, não estamos a fazer aquilo para que nascemos. Cada um deve encontrar os seus dons e exercê-los pois é assim que agirá sem esforço, com naturalidade e prazer. Só daí pode resultar a perfeição e a derradeira utilidade das nossas ações.
A frase mais tonta de todas é mesmo a de dar cem por cento. Se o fizermos ficamos sem gota de sangue. Se dermos tudo de nós sem deixar nada cá dentro, desligamos a nossa ligação à nossa essência e, portanto, ao divino. Apenas temos obrigação de dar cem por cento a nós mesmos. Esta é a única forma de renovarmos constantemente o manancial de tudo o que de bom temos e devemos entregar aos outros e ao mundo.
As máximas de auto-ajuda são excelentes. Mas apenas se as filtramos e soubermos usar com as razões do coração.

Ana Amorim Dias

Conversas de mãe e filho

O Ferrari do meu filho

Sento-me no sofá com o prato do jantar em cima de um tabuleiro.
- Tomás, dá-me o comando, meu amor.-
- Não.-
- Desculpa!?!-
- Oh mãe!! Estava a ver isto!-
- Vá, dá-me lá o comando!-
- Se me tiras o comando fujo de casa!-
- Rápido, rápido!! Dá-me o comando já!-
Começamos os dois a rir. Ele muda a estratégia da sua bem humorada ironia.
- Se me deixares ficar com o comando é que prometo que fujo de casa...-
- Ah bom... Nesse caso...-
Passam dois minutos e volto ao ataque.
- Oh Tomás! Eu não vou jantar a ver este programa!-
- Certo, mãe. Então pousa o prato e não jantes! - Responde muito prontamente.
Rebentamos de novo a rir e passa-me finalmente o comando.
- Sabes mãe? Tomei uma decisão.-
- Conta lá qual. - algo me diz que não foi a de estudar mais.
- Não vou gastar mais dinheiro em porcarias e vou guardar e juntar todo o dinheiro possível para comprar um Ferrari quando for grande.-
- Parece-me muito bem.-
- Estás a falar a sério?-
- Obviamente.-
- A tua resposta foi tão diferente da do pai... Ele disse que eu até podia ir já comprar um, daqueles de brincar.-
- O pai se calhar foi apanhado de surpresa e não pensou bem nos teus planos, Tomás.-
- Então achas bem?-
- Claro que sim, meu anjo. Agrada-me imenso que tenhas objetivos de vida, mesmo que o objetivo seja um Ferrari...-
- Então quer dizer que achas que é possível?-
- Tudo o que nos atrevemos a sonhar é possível, filhote. Desde que estejamos preparados para trabalhar e lutar mesmo a sério. Se queres saber a verdade acho que podes muito bem vir a ter um Ferrari, ou até dois. Só quero que não te esqueças que eles não caem do céu e que os sonhos às vezes mudam de forma.-
- Mudam?-
- Sim. E os melhores sonhos são implicam coisas materiais, garanto-te!-
Deixo-o com um atarantado brilhozinho nos olhos.
- Filho? Só mais uma coisa: quando tiveres o teu Ferrari e eu andar nele prometo-te que o vou deixar tão sujo e desarrumado como tu e o teu irmão deixam o meu carro!-
- Oh mãe...-

Ana Amorim Dias

Vida de super herói

Vida de super herói

O frio e a chuva trouxeram a benção de duas sensações fabulosas: o cheiro da terra molhada e o agarrar de um par de botas, feito com a mesma intensidade com que os heróis dos filmes vestem os seus trajes de identidade secreta. Passou-se em câmara lenta, com música a soar ao fundo: tirei-as da última prateleira com uma só mão e senti o prazer da vertigem de quem se está a preparar para combater super vilões.
Seja de botas ou havaianas, os dias começam-me sempre assim: saio de casa com o mesmo espírito que os meninos da foto, animada a salvar o Mundo. E o curioso é que a loucura disto tudo nunca permitiu que me sentisse estúpida ou que duvidasse dos super poderes. Sei que algures, pelos caminhos dos meus dias reais e virtuais, me vou cruzando com gente a quem arranco um sorriso ou uma gargalhada; vou deixando à minha passagem, e no rasto das palavras, pensamentos mais otimistas, reflexões valorosas e, espero, emoções boas. Se este género de atitude não faz de nós super heróis, não sei o que fará.
E vocês? O que tencionam fazer hoje para ajudar estes dois miúdos a salvar o Mundo?

Ana Amorim Dias

A força que nasce aqui

A força que nasce aqui

Estava na esplanada do Natura, na praia da Retur, a falar com uma nova amiga, a Margarida, quando a Susana chegou. Vinha um pouco apressada, apesar de apenas terem passado cinco minutos da hora combinada. Pousou a mala na cadeira, a câmara fotográfica na mesa e cumprimentou-me com um vigor entusiasmado que me agradou de imediato.
A entrevista começou de forma quase automática, com uma naturalidade tão grande que quase me fez esquecer a inversão de papeis. Normalmente sou eu a entrevistadora, a curiosa inquisidora que quer captar as essências daqueles sobre quem trabalho.
Chegou preparada, agindo com um instinto e profissionalismo que me deixaram surpreendida. Sei que lhe facilitei a missão porque, à força de tanto representar o seu papel, consegui captar exatamente aquilo que ela queria saber. E dei-lhe as respostas. Todas. Inteiras e intensas. Verdadeiras e absolutamente sentidas. Como as gosto de entregar a mim mesma.
No decorrer desta conversa-entrevista, que se prolongou durante quase três horas, fiquei com a certeza de termos feito nascer uma nova amizade. E dei uma resposta que sintetiza todo o meu trabalho de escrita criativa: -Tenho que sentir tudo o que escrevo... Tenho que sentir uma enorme emoção aqui - abri a minha grande mão sobre o peito, com uma expressividade marcada - é aqui que a força das palavras me nasce, não o sei fazer de outra forma. Como se uma onda cristalina e perfeita me rebentasse no peito e a sua espuma saísse, depois, em textos que alimentam, iluminam e curam.-
Quando voltei ao meu carro continuei a pensar no que dissera, completamente feliz por saber como funcionam as ondas do meu coração.

Ana Amorim Dias

10.5.13

Faz falta pensar

Faz falta pensar

Custa-me reconhecer a autoridade a incompetentes. Sei que a vida em sociedade precisa de regras, de quem as crie e as faça cumprir, mas há limites.
Ando sempre com a sensação de que as pessoas se têm esforçado, ao longo da nossa história, por complicar as coisas. É por isso que nos encontramos no momento que é, até agora, o expoente máximo de uma incontrolável diarreia legislativa levada a cabo por arrumadores de pioneses que não sabem dar o nó aos próprios sapatos. Para quê pretender legislar sobre tudo? A vida prática não se compadece dos quilómetros de leis, decretos, regulamentos, adendas e alterações. Muito menos quando muitas delas não fazem qualquer sentido sequer em teoria. E, como de costume, anda tudo encarneirado, de olhos bem fechados, a baixar a bolinha porque a autoridade e a lei são soberanas.
Pois bem, a vida é bem mais simples que todos estes fardos de palha. A vida consiste simplesmente na satisfação de necessidades físicas, intelectuais, espirituais e emocionais. Nisto e na noção de justiça; na capacidade de discernir o bem do mal e na capacidade intrínseca que todos temos de nos ajudar a nós mesmos sem lixar o próximo. A vida consiste em algo que a maior parte das pessoas se esqueceu que tem: a capacidade e o dever de pensar!
É por isso que, desculpem lá, mas não reconheço a autoridade a todos os que, formatados pelo sistema e envergando as palas da estupidez que embirra em não pensar, se julgam donos das regras da existência. É que a vida é mesmo simples, por mais que a queiram complicar. Mas para perceber isso talvez faça falta pensar.

Ana Amorim Dias

Primeira impressão

Primeira impressão

Enquanto se faz zapping, coisas muito interessantes podem acontecer.
Ouvi ontem à noite uma frase: "Ninguém tem a segunda hipótese de causar a primeira impressão." Esta síntese perfeita de simplicidade e verdade causaram-me uma excelente impressão. E o pensamento arrancou de novo, apoiado nas asas da curiosidade que sempre tenho sobre as minhas próprias opiniões.
Primeira impressão há só uma. É como o primeiro amor. Só um. Que pode perder-se nas brumas do tempo, distorcido por todos os amores seguintes, mas que permanece para sempre em nós como a primeira impressão do amor.
Sempre que conhecemos alguém ficamos com uma primeira impressão. Pode ser tão forte que não se apaga ou tão impercetível que quase a esquecemos. Pode ser boa e posteriormente defraudada, ou pode ser má e depois alterada.
Quando nos apresentamos a outrém o processo é o mesmo. Mas a primeira impressão, por mais que as seguintes a desmistifiquem, é sempre a primeira impressão, que não há como alterar.

- Estás aborrecido comigo por alguma coisa? Queres que me vá embora?- Perguntou ela ao senti-lo um pouco ausente.
- O que têm essas frases de positivo? Achas que podes construir alguma coisa com esse tipo de conversa?- perguntou-lhe ele de volta.
E eu fiquei espantada com mais este rasgo de luz.
Quantas das nossas frases são positivas e construtivas? Qual é a percentagem, entre tudo o que dizemos ao longo de um só dia, de coisas positivas? Será que metade das nossas atitudes e reações são construtivas? Ou é menos de metade? Dará muito trabalho analisarmos cada pensamento, frase proferida e ação exercida quanto ao seu positivismo e produtividade?
É um dos muitos casos em que a razão consciente pode ter um papel fundamental. Por isso hoje vou experimentar estar atenta todo o dia: só vou ter pensamentos positivos, proferir frases construtivas e exercer ações que me acrescentem algo de bom à vida. Quem sabe se, com treino, atenção constante e muita dedicação isto não se torna um hábito?
É que se o conseguir, fico com garantias de que não precisarei de segundas oportunidades para causar uma verdadeira e boa primeira impressão.

Ana Amorim Dias

Uma prenda avariada

Prenda avariada

Cheguei à praia quase às oito da noite e comecei a correr. Além de ter estado uma semana inteira sem fazer desporto ainda tive a brilhante ideia de não fazer o aquecimento. "Vou só correr um bocadinho, nada de brusco, isto não deve fazer mal..."
Nos fones soavam ritmos apelativos e, antes que me pudesse impedir, estava a dançar e zumbar em frente ao imenso mar, com um sorriso que ia desde Vila Real até Sagres. O êxtase de zumbar numa praia deserta, tendo o mar como meu espelho e apenas alguns pássaros a testemunhar a loucura, fez-me esquecer por completo que não tinha aquecido os músculos.
Agora, de cada vez que ando, os gemidos fazem-me pensar que estou a roubar as falas às atrizes de certos filmes.

7.10 O João invade-me a cama.
- Vai acordar o Tomás e tragam as prendas do pai.- digo-lhe baixinho para não acordar o aniversariante.
O pequenino lá desaparece, entusiasmado, e o Ricardo abraça-me.
- Não era preciso. Estou abraçado à melhor prenda de todas.-
Sinto as fortes dores nos músculos.
- Ah ah ah. Ganhaste uma prenda avariada!-

Não sei se gosto de me sentir uma prenda. Embora no fundo ele talvez tenha uma certa dose de razão. Tem sorte o rapaz. Tem uma prenda nos braços que é mesmo a melhor das prendas mas, ainda assim, é perigosa e nada fácil. E então percebo de novo a importância do aquecimento. Ele anda há mais de metade da vida a fazer aquecimentos para aprender como funciono sem explodir, sem me tornar mais esquiva, sem me trocar os fusíveis. Acredito que não deve ser nada fácil ter uma prenda assim, tão explosiva e sem livro de instruções. Mas também continuo a acreditar que ele está no bom caminho. Até as mais indomesticáveis prendas, com paciência e amor, se podem tornar na melhor prenda da vida.

Ana Amorim Dias

6.5.13

Viver os sonhos

Vai desenterrar os teus sonhos!

Há demasiados assuntos a roubar-nos a paz de espírito e sei que não é nada fácil abstrairmo-nos deles. Se nos despreocupamos por completo entramos no pantanoso campo de correr o risco de perder o sustento, a casa, a família, a estabilidade e algumas outras coisas de quase igual importância. De caminho, no devir dos dias que se sucedem tão iguais, vai-se lutando por dormir bem no meio de tanta preocupação.
Afinal onde anda a esperança? Onde se meteu a paz de espírito? O que foi feito do entusiasmo? Para onde fugiram os sonhos?
Hoje não falo por mim. Tenho a esperança à flor da pele, a paz no meu centro, o entusiasmo na voz e os sonhos na ponta dos dedos que tecem histórias sem fim. O assunto é só contigo: onde meteste tudo isto? Até onde estás pronto a ir para resgatar o teu sonho? Ainda te lembras qual é? Quais são os obstáculos entre ti e a visionária missão que te destinaste? Não serás tu mesmo quem está a construir as muralhas que te impedem de viver o sonho? Não serão os teus infinitos medos e a tua constante inércia que contrariam, mais que tudo, a sua concretização?
Viver os sonhos dá uma trabalheira do caraças. Viver os sonhos assusta, incomoda, faz-nos tremer pelas bases. Mas é no momento em que começamos a sonhar com aspirações reais de concretização que a nossa vida começa. É aí que nasce a esperança, o entusiasmo, a coragem e a mais forte sensação de se estar mesmo vivo.
Agradeço-te que te recordes de cada um dos teus sonhos. Peço-te que tenhas a consciência que os sonhos que valem a pena implicam anos de trabalho, acarretam algumas perdas e têm por vezes que ser novamente adiados. Mas sonha, projeta, visualiza. Olha para dentro e começa a traçar planos. Olha para fora e entende que és capaz. Sê empenhado, esforçado, teimoso. Não te rendas a quem diz que não consegues e que o teu desejo é uma loucura desprovida de sentido. Sente-te a renascer, porque a cada sonho que conseguires concretizar, estás a emprenhar os outros com vontade de sonhar e poucas coisas existem mais belas do que esta.
Agora vai, vai desenterrar os teus sonhos e recomeça a sonhá-los. Renasce com a esperança, o entusiasmo e a paz de espírito de dares à tua vida um sentido.

Ana Amorim Dias

Mãe

Ainda o dia da mãe

Aconteceu com os dois. Quando perdiam a chupeta e começavam a reclamar, eu colocava-a de novo e pensava: "Não tarda muito já vais conseguir procurá-la e acertar com ela na boca!"
Creio que uma das coisas que mais aprecio neste "ofício" da maternidade, é acompanhar-lhes e fomentar-lhes a evolução; é presenciar o seu encantamento perante cada nova descoberta do mundo exterior e das suas próprias capacidades.
Adoro recordar o passado, deliciar-me com o presente e imaginar-lhes o futuro. Até aqui maravilhei-me com mil coisas, em particular com as suas reações aos estímulos que ajudei a proporcionar: a primeira colherada de papa, o primeiro banho de mar, a primeira caracolada, andar de avião, visitar o museu de história natural e por aí fora. Agora encanto-me com o desenvolvimento das suas personalidades tão diferentes, que me surpreendem a cada novo dia. O humor, a sensibilidade e a pontualidade britânica de um, a contrastar com a sedutora e anárquica personalidade do outro, fazem-me perceber que cada ser é muito mais do que a soma da educação e dos genes. O que vão fazer com os seus futuros nem me atrevo a imaginar, mas sei que continuarei com a mesma atitude fundamental de os amar sem posse enquanto lhes fomento, de todas as maneiras possíveis, a outra maior dádiva que uma mãe pode entregar: ensiná-los a voar, livres e independentes. Quero que saibam pensar por si mesmos, que sejam curiosos e entusiastas da vida; quero que saibam distinguir o bem do mal, façam as suas escolhas e aceitem as consequências; quero que conheçam o Mundo e saibam deixar nele as suas marcas; quero que sejam camaleónicos seres, capazes de se adaptar a tudo e todos, mas sabendo manter acesa a chama da própria essência; quero que se encantem para sempre consigo mesmos pois só assim saberão ser felizes...
Ser mãe é ser sublime. Sublime e feliz nesta missão de amar eternamente, com as mãos abertas de quem lhes prepara as asas.
Não posso terminar sem te agradecer a ti, mãe, por sempre teres sido exatamente o tipo de mãe que também eu me esforço por ser.
A todas as outras, o meu beijo sorridente.

Ana Amorim Dias
Tema dos noivos de hoje? Viagens.
Gostei em particular da ideia que tiveram para as listas das mesas. Uma malita de cartão em cima de uma bicicleta velha a que ontem deitaram o olho.
Apreciei a simplicidade. Ela pode estar em cada partida, em cada nova viagem e no espírito com que se abala... basta que embalemos uma mudazita de roupa e nos enchamos de força para começar a pedalar.
Por hoje é só. Fico por aqui, a viajar de cabeça enquanto tento proporcionar à Cristina e ao João um excelente início para esta sua nova viagem.

Ana Amorim Dias

Raízes

Raízes

Não faço a mínima ideia de quem foi o senhor António Isidoro de Sousa. Nem me parece importante. O que realmente me interessa, na praça central de Viana do Alentejo, é o facto de ter sido o meu avô, José Albino Dias, a esculpir o busto do tal senhor.
- Aborrece-te a viagem, titia?- pergunto-lhe antes de partirmos, para ter a certeza que estou a fazer a coisa certa.
- Claro que não, querida! Adoro voltar às minhas raízes!- respondeu convicta.
O seu pai, meu avô, faleceu sem que nenhuma das duas tivesse oportunidade de o conhecer. Mas as grandes pessoas costumam deixar marcas no mundo. E costumam tocar, de maneira inesquecível, as outras pessoas. É por isso que eu e a titia conhecemos bem este José Albino Dias, cujas histórias ouvimos desde crianças. As suas marcas, deixadas no Mundo e nos outros, chegam até nós por fora com a mesma intensidade que as suas influências genéticas nos inflamam por dentro. São isto as raízes. É por isso que as procuramos para sempre.

Ana Amorim Dias

Bagaço

Bagaço

No meio das curvas o telefone toca. Ponho o auricular e atendo.
- Onde estás?-
- Entre São Brás e Loulé.-
- Estou mesmo atrás de ti. Pára na próxima tasca para bebermos uma!-
- Combinado.-
Começo a cantar com a música do Indiana Jones.
" Parar na tasca, parar na tasca, pra beber minis, pra beber mi-i-nis..."
Olho para o lado e vejo a titia com um ar muito preocupado.
- Ana! Não é perigoso?-
- E porquê? É só uma!-
Paramos na tasca seguinte e peço três. Para mim, para a titia e para o Ricardo, que está mesmo a chegar.
- Não, não! Eu não quero!- Diz a titia aflita.
Já não vai a tempo.
- Ah... É cerveja? - pergunta ela ao ver as garrafinhas.
- Pensavas que era o quê?-
- Bagaço!-
Farto-me de rir. Pelos vistos na Holanda, além de não haver sol também não há Minis!!
Momentos depois, quando entro para o carro, reconheço a sorte de viver onde vivo... e de ter quem venha, no carro de trás, em constante desafio.

Ana Amorim Dias

Keep it simple

Keep it simple

No supermercado: "Posso levar queijo feta aos cubinhos para fazer aquela salada com couve roxa...", " ou então os clássicos couscous", "Não,couscous é melhor não, senão o Paulo goza comigo." De repente uma voz soou em mim, enquanto na minha cabeça as mesmas palavras piscavam em grandes luzes néon: "keep it simple"! Continuei a empurrar o carrinho com o alerta crónica a badalar tão alto que pensei que todos pudessem ouvir. "Claro, carne grelhada no carvão em cima de pão e salada! Simples!"
Mantém-te simples. Mantém a tua comida simples, as tuas roupas simples, os teus atos e pensamentos, tudo simples, muito simples! Mantém a vida toda simples!
Vai para casa pelo caminho mais bonito, mesmo que seja o mais longo; abraça quando te apetecer abraçar; ouve música, cantarola; acorda cedo só pelo prazer de estar desperto mais tempo; vai à tasca beber minis; almoça uma sandes à janela e ri-te, é tão simples.
Pode parecer complicado manter uma vida simples, mas não! É simples. Volta às bases, manda o superficial às urtigas. Entende o que é fundamental e o que podes deixar de carregar como um fardo. Fica longe das religiões e une-te à fé. Manda a fome de poder para o espaço e sente o poder invadir-te. Dá um pontapé à ganância e torna-te abundante. Mantém-te longe de processos judiciais e questões sem fim à vista. Fica longe dos papeis e anda na natureza de pés descalços. Sê simples. Chora com simplicidade, tem saudades sem dor, sente as dores sem desespero, da mais simples das maneiras. Experimenta tomar banho num rio, iluminar-te com velas, fazer castelos com nuvens, dizer "amo-te" quando o sentes. Experimenta. Sê simples numa vida simples e de caminho, se por acaso te sentires divino, é porque o exercício da simplicidade te ensinou a chegar ao mais complexo Nirvana.

Ana Amorim Dias

Não é desorganização, é intensidade!!

Não é desorganização, é intensidade!

- Acabo o teu livro antes do fim do mês.-
- O quê? Não podes, não podes! E os anos noventa? E as visitas aos antropófagos? E o resto das histórias da volta ao mundo de mota?-
- Tivesses mandado as gravações quando te pedi! O livro está a chegar ao fim...-

Passei os últimos vinte e dois dias a escrever a biografia deste bulímico de vida como se o mundo estivesse para acabar. Seja sobre realidade ou ficção, quando mergulho num livro tenho que o levar a eito ou corro o risco de me perder da intensidade da história. Como amanhã chega a Portugal a minha titia preferida e me quero dedicar inteiramente a ela, contava ter terminado a obra antes da sua chegada. Tudo se resume a uma questão de intensidade: intensidade para escrever coisas intensas; intensidade para viver os momentos intensamente; intensidade em tudo. Se não for intenso não vale. Se não for intenso não quero, não me serve, não é para mim, não vale a pena.
Olho para a minha secretária e penso: "Não, isto não é desorganização, é intensidade! E afinal que mal faz interromperes uma semana? Esta bagunça vai estar toda aqui, bem como a inspiração dentro de ti!" Não seria justo deixar de fora os anos noventa, as visitas aos antropófagos e o resto das histórias da volta ao mundo na Harley. Não seria correto deixar esta biografia fantástica meio coxa por motivos de organização, inspiração e intensidade.
Por isso, menino Eric, tens uma semana para me mandares o resto da tua vida. Regresso a ela na próxima segunda feira. Com toda a intensidade e emoção, como sempre!

Ana Amorim Dias

Teoremas de amor

A equação do amor

- Achas mesmo?-
- Não acho, tenho a certeza!-
- Então anda tudo enganado...-
- Náá, nem todos.-
- Repete lá outra vez.-
- A equação do amor anda a ser aplicada ao contrário: as pessoas sentem-se felizes quando têm o amor de outra pessoa e sentem-se profundamente miseráveis quando essa fonte pára de jorrar ou diminui a sua intensidade...
- E o resto? Explica-me de novo a equação certa!-
- Se nos amamos profundamente a nós mesmos, é inevitável que os outros nos amem.-
- E como é que nos amamos profundamente a nós mesmos?-
- Já amaste muito alguém? -
- Claro.-
- Quando amaste muito outra pessoa, não te apetecia estar o tempo todo ao seu lado e fazer tudo com ela?-
- Certamente.-
- Amarmo-nos profundamente é isso: querermos fazer tudo e passar o tempo todo connosco. Amar-nos profundamente é viver ligados à nossa essência num momento eterno de pura diversão e prazer.-
- Achas?-
- Tenho a certeza! Por isso não fiques triste se a pessoa que amas não te dá toda a atenção que querias. Que importância tem isso?? Tens-te a ti. A tua presença em ti é sempre a melhor companhia. E se te amares é para sempre!-


Ana Amorim Dias

Ao menino do mar

Ao Lourenço, o menino do mar

Querido Lô, a história hoje é para ti, meu amor. Vou contar-te o que aconteceu ontem, ao fim da tarde, cá na Quinta.
A tia estava a fazer zumba e mandou os primos estudar. Os malandros queriam fugir para a rua porque o João tinha feito uma descoberta qualquer que queria mostrar ao Tomás. Eu queria que eles fizessem os trabalhos de casa mas os bandidos dos teus primos, armados em malcriadões, disseram que não os faziam. E então a tia, toda esbaforida e suada, interrompeu a zumba e fez cara de má!
Sentei-os na mesa da sala e disse ameaçadoramente:
- Não se atrevam a sair sem isto estar tudo feito!-
Passado um bocado o João foi ter comigo e entregou-me os trabalho já terminados. Ainda os ouvi descer as escadas a correr e depois fui tomar banho.
Quando estava a acabar de me vestir, vi uns movimentos estranhos no corredor: estavam os dois com luvas de cirurgião, a atravessar a casa com um aquecedor a óleo. Trancaram-se os dois, muito misteriosos, no quarto do João e não ouvi mais barulhos.
Não sei se sabes, querido Lô, mas quando a tia acaba a zumba, fica com uma fome de lobo, por isso a minha paragem seguinte foi a cozinha, onde fiz um ataque grande ao frigorífico.
E ali estava eu, entre fruta, queijo e pão quando vi o João chegar, sorrateiro, para preparar migalhas e um pequeno copo de leite.
- O que é que vocês andam a tramar, filho? - perguntei-lhe. - Porque é que estão trancados no quarto? Porque estás a preparar migalhas? Têm algum bicho escondido?-
A cara que ele me fez não deixou nenhuma dúvida.
Voltei a perguntar:
- Não é um réptil, pois não?-
- Sim, mãe.-
- Uma cobra?-
- Sim, mãe.-
- Está bem presa?-
- Não, mãe. Ela soltou-se e estamos a tentar apanhá-la!-
Como podes imaginar, a tia não gostou nem um bocadinho da ideia de ter uma cobra à solta lá em casa e, muito zangada, telefonou ao tio Ricardo para ele ralhar com os teus primos.
E então o João riu-se e acompanhou-me ao seu quarto onde, em cima do aquecedor, estava um ninho, cheio de passarinhos bebés.
- Eles assim vão morrer! - disse-lhes eu cheia de pena.
- Nada disso, mãe! Nós tomamos bem conta deles!- disse o teu primo Tomás.
Mas sabes, Lô? Tive que pôr o ninho na árvore porque senão os pobres passarinhos morriam mesmo. Assim, quando tu voltares da Colômbia, eles já vão estar grandes e fortes e vão voar para que tu os vejas...
Um beijo grande da tia, meu lindo menino do mar.

Ana Amorim Dias