(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

21.11.12

Escrever a dor



- Quando finalmente a desgraça te bate à porta é que não tens nada para dizer? -  Perguntava-lhe o pai após a morte do irmão.
   Não comecei a ver o filme do início e percebi que conheço mal a vida e obra de Florbela Espanca, mas aquela frase mexeu  comigo.
   Quem escreve sabe. Sabe que quando mergulhamos no dimensão paralela das palavras que, ordeiras,  se amontoam  criando uma nova realidade, já não se está no café, no escritório nem na mesa da sala. Quem escreve sem espartilhos nem grilhões, deixando a essência bailar numa oralidade plasmada, já não está no corpo que segura a caneta ou toca melodias divinas nas teclas do computador, porque entra inevitavelmente nesse mundo mágico, criado e criador; passa a existir nas  e pelas palavras apenas. Quem escreve sabe que, estando em si já não está,   e passa a existir apenas, durante esses momentos que se tornam eternos, num universo só seu que é, no fundo, de todos.
   Mas voltemos às palavras de João Espanca que,  perante a dor da filha,  a questionou sobre a sua incapacidade momentânea para a escrita. É ou não a dor que move o artista? É ou não a dor que torna imortal e sobre-humano o ser que a ela se entrega da forma mais criadora?  Deixem que vos responda: também mas não só!   A arte nasce da emoção. É algo que brota em convulsivas golfadas; algo que não se pode mais reter cá dentro; que é maior que nós e, por isso mesmo,  impossível de conter.  A arte, seja qual for a sua expressão, salta pelos poros de quem se emociona com a alma toda. Seja pelo amor, paixão, raiva, descrença, indignação ou dor. Seja por medo, coragem, exultação ou desespero, a arte nasce porque a emoção já não cabe em quem habita.
Ana Amorim Dias