(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

11.9.12

Retorno à inocência



 
  Lembro-me perfeitamente do que fiz há onze anos. Recordo-me com impressionante nitidez em que curva guiava quando o telefone tocou e uma amiga me contou o que se estava a passar do outro lado do Atlântico.
    O primeiro pensamento foi para os meus pais que estavam na Turquia. Liguei-lhes para me certificar que  estavam bem, ainda  sem perceber nada do que se estava a passar. Ao longo do dia fui entendendo. Fomos entendo todos. 
   O soco no estômago da segura civilização ocidental foi sentido com a agonia da perda de uma inocência que até então ainda existia. No dia em que o meu pequeno buda fazia três meses de idade, percebi que há extremismos letais, perpetrados por homens doentes, que não deixam ninguém a salvo.  Nesse dia lamentei  os mortos. Mas o que chorei foi a perda da inocência.
   Cinco anos depois estive em Nova Iorque. Por toda a cidade  estavam ainda bem vivos os tributos e memoriais aos falecidos; bem como vivo estava um fumo invisível feito de uma dor que não passa.  No ground zero apenas parei o tempo suficiente para sentir a solenidade amarga do local  e vim-me embora a lamentar que as memórias brilhantes da cidade que nunca dorme tivessem perdido para sempre parte da sua alegria.
   Há uns meses um amigo trouxe-me uma prenda dessa cidade que adoro: a fotografia do meu primeiro romance tendo como pano de fundo a nova construção que se eleva no mesmo chão em que as gigantes gémeas tombaram.  Ao ver a imagem arrepiei-me de novo: há reconstruções lentas, feitas  ano após ano, tijolo após tijolo, página após página.  Há reconstruções que, por mais que não apaguem as enormes perdas, nos fazem perceber  que, tarde ou cedo, chega  sempre o  dia em que a inocência, lentamente, se  recomeça a conquistar.
Ana Amorim Dias