No fim obrigam-nos a comer uma sandes e a beber um sumo de fruta. Já me tentei escapar ao fatídico lanche, desculpando-me com o lauto almoço há pouco tempo ingerido, mas convencem-me sempre que há que retemperar o organismo.
Antes disso, a poltrona. Forrada, reclinada. Para dar algum conforto a quem tema a grossa agulha por onde nos sai a oferta.
Dar sangue é mais que dar vida. Que o diga o orgulho que tenho no meu cartão de dadora. O incómodo da leve dor, e a aflição de olhar para saco ondulante onde o nosso escarlate néctar vai ficando acumulado, é de longe superado pela sensação de altruísmo humanitário que ficamos a sentir. À mesma velocidade que os perfeitos mililitros nos vão saíndo do corpo, vai-nos entrando a certeza do valor daquele ato.
Não sei para quem vai o meu sangue. Creio que nunca ninguém sabe. Mas fico ali a imaginar se salvará a vida a alguém ou se apenas ajudará às mais rápidas melhoras. Fico a sorrir perante o privilégio que representa ter um sangue suficientemente bom que possa correr nas veias de outros corpos. Mas a mais selvagem divagação começa no momento em que imagino a maravilha que seria se, pela mera transfusão, os pensamentos bons e a alegria de viver se pudessem também transmitir.
E então caio em mim. Dar sangue não me enobrece. É algo tão banal como é dar um sorriso. E quanto aos pensamentos bons e alegria de viver, não é pelas veias que os posso partilhar…
Ana Amorim Dias