(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

27.8.12

No fundo do Paraíso




   Há memórias que, por mais anos que passem, permanecem tão frescas como pão quente. Podemos não as ter ativas todos os dias mas,  quando as trazemos de volta, conseguimos recuperar todo o sabor dessas vivências.
  E foi  ao ser “espicaçada” por alguém que me desafiou a escrever sobre o fundo do mar que recuperei, com incrível precisão, os ficheiros mentais de uma ida ao Paraíso.
  Nada é mais errado do que assumir que  o Inferno é para baixo e o Paraíso para cima pois  quando,  há nove anos,  mergulhei junto às  Islas del Rosario, ao largo de Cartagena das Índias, tenho a certeza absoluta que  desci ao Paraíso.
   A lancha que me  transportou deslizava entre  pequenas ilhotas rodeadas de um mar de turqueza transparente. Enquanto absorvia com toda a força dos sentidos, o vento e o sol na cara,  lembro-me que já exultava  em excitada expetativa,  embora nenhuma descrição me pudesse ter preparado para o que viria a seguir.
   Mergulhei na água tépida e compreendi a solenidade do momento. Reverenciei cada segundo daquelas duas horas inesquecíveis, da mesma forma que me rendi ao cenário mais sereno, perfeito e belo em que os meus olhos já pousaram.  A prolixidade de espécies de corais de diferentes formas e cores fez-me querer harmonizar o meu próprio movimento com o seu balanço bailante;  os pequenos peixes de um azul marinho absurdamente elétrico quase me levaram a  acreditar que estavam ligados à eletricidade; e os pequenos  Nemos revelaram-se tão simpáticos e sociáveis como as criações de Walt Disney.  Vi pequenas moreias a espreitar dos seus redutos; cardumes de peixes em multiracial aceitação, a bolinar na corrente; seres vivos tão coloridos e deslumbrantes que a garganta, volta e meia, se me embargada em comoção.
   Quando acabar de escrever esta crónica vou à bomba do meu combustível: vou “tropeçar no mar” e cair lá para dentro, como sempre faço quando o tempo não é pródigo e  as forças não me faltam.   Em cada mergulho coloco a emoção e a atitude reverencial que sempre tive com os mares. Mas por mais que sempre o faça, nunca mais voltei a repetir a intensidade daquela descida ao fundo do  Paraíso, há tantos anos na Colômbia.
   Resta-me, antes de ir ao meu mergulho, agradecer ao Luis Quinta, que me inspirou a memória de um dos mais solenes acontecimentos da minha vida.
Ana Amorim Dias