Há memórias que, por mais anos que passem, permanecem tão frescas como pão quente. Podemos não as ter ativas todos os dias mas, quando as trazemos de volta, conseguimos recuperar todo o sabor dessas vivências.
E foi ao ser “espicaçada” por alguém que me desafiou a escrever sobre o fundo do mar que recuperei, com incrível precisão, os ficheiros mentais de uma ida ao Paraíso.
Nada é mais errado do que assumir que o Inferno é para baixo e o Paraíso para cima pois quando, há nove anos, mergulhei junto às Islas del Rosario, ao largo de Cartagena das Índias, tenho a certeza absoluta que desci ao Paraíso.
A lancha que me transportou deslizava entre pequenas ilhotas rodeadas de um mar de turqueza transparente. Enquanto absorvia com toda a força dos sentidos, o vento e o sol na cara, lembro-me que já exultava em excitada expetativa, embora nenhuma descrição me pudesse ter preparado para o que viria a seguir.
Mergulhei na água tépida e compreendi a solenidade do momento. Reverenciei cada segundo daquelas duas horas inesquecíveis, da mesma forma que me rendi ao cenário mais sereno, perfeito e belo em que os meus olhos já pousaram. A prolixidade de espécies de corais de diferentes formas e cores fez-me querer harmonizar o meu próprio movimento com o seu balanço bailante; os pequenos peixes de um azul marinho absurdamente elétrico quase me levaram a acreditar que estavam ligados à eletricidade; e os pequenos Nemos revelaram-se tão simpáticos e sociáveis como as criações de Walt Disney. Vi pequenas moreias a espreitar dos seus redutos; cardumes de peixes em multiracial aceitação, a bolinar na corrente; seres vivos tão coloridos e deslumbrantes que a garganta, volta e meia, se me embargada em comoção.
Quando acabar de escrever esta crónica vou à bomba do meu combustível: vou “tropeçar no mar” e cair lá para dentro, como sempre faço quando o tempo não é pródigo e as forças não me faltam. Em cada mergulho coloco a emoção e a atitude reverencial que sempre tive com os mares. Mas por mais que sempre o faça, nunca mais voltei a repetir a intensidade daquela descida ao fundo do Paraíso, há tantos anos na Colômbia.
Resta-me, antes de ir ao meu mergulho, agradecer ao Luis Quinta, que me inspirou a memória de um dos mais solenes acontecimentos da minha vida.
Ana Amorim Dias