(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

19.8.12

“Culo de mal asiento”



    Uma das grandes vantagens da idade é  a de aprendermos (eventualmente) como funcionamos.  Quanto mais dias  vamos somando à nossa estória, mais crescemos  em auto-conhecimento.   E se isto,  por um lado,  dá imenso jeito, por outro também nos deixa logo com os sentidos todos alerta, sobretudo quando reconhecemos os nossos  sinais de perigo.
   Quando,  há muitos anos,  umas amigas espanholas me chamaram “culo de mal asiento”, o cognome pelo qual mais me reconheço ficou, por mim mesma, adotado para sempre.  Não sei estar muito tempo no mesmo local. Por mais belo que seja e por melhor que seja a companhia, quando a vontade de ir embora chega nada é mais desconcertante que ser obrigado a ficar. Tive que aprender a viver com isso:  a vontade de levantar ferro nasce-me muitas vezes  assim que a âncora cai.  Quando já vi, vivi e aprendi o que tinha que ver, viver e sentir, é porque é hora de seguir caminho.  Talvez o espírito demasiado irrequieto me impulsione a viver nesta constante vontade de partir; neste perpétuo conflito  entre a tranquila paz do “ficar” e a  sofrida conquista do “ir”.    As razões não importam, sou um “culo de mal asiento” e é essa a minha  maldição mais bendita.
    Há dias soube que está na hora de planear mais uma viagem a sós. Uma viagem que sei que tenho que fazer, mas que acreditava não precisar de realizar já. Uma daquelas jornadas de auto-descoberta e reencontro com o passado da qual nascerá mais um livro.  Desta vez não se trata de uma cidade europeia nem de uma capital cosmopolita da América do sul, destinos já demasiado banais para o meu crescente gosto pela aventura e  sede de me superar com conquistas mais arrojadas.  Mais do que a vontade de ir, desceu sobre mim a entranhada certeza da necessidade de não ceder às pressões de ficar.
   Mas como pode uma mulher, com marido e filhos, partir assim sozinha para um destino longíncuo e perigoso, sem mais bagagem do que a forte convicção de ter que ir?  Prender-se-á a capacidade de não virar costas a desafios da própria alma, com a certeza de saber que tenho coisas para sentir, por forma a poder depois escrevê-las? Serei uma subversiva guerrilheira pela conquista feminina do seu reencontro consigo?  A verdade é que não sei. Mas acredito que nós, os “culos de mal asiento”,  temos tido sempre a capacidade de enfrentar tudo e todos para conseguir proporcionar o alargamento de todo o tipo de horizontes.
Ana Amorim Dias