(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

2.8.12

De alma coxa



   Tenho ouvido dizer que as pessoas que perdem um membro continuam a senti-lo.  Não tenho a certeza, nem sei explicar tal fenómeno,  mas creio que se prende com informações erróneas que o cérebro transmite aos sentidos, fazendo com que cócegas, dormências ou dores se “sintam” numa parte do corpo que já se foi.
   Lembrei-me disto porque tenho andado a pensar que quando perdemos alguém que amamos, ficamos com a alma amputada. Viver sem quem já fez parte da nossa vida; sem aquelas pessoas que sabemos que iremos amar para sempre, é viver com o corpo todo mas com a alma coxa.
  Mais tarde ou mais cedo todos nós temos perdas inestimáveis e insubstituíveis. Mais tarde ou mais cedo todos experimentamos a dor de ficar com a alma amputada. E a certeza de, numa vida longa, isto acontecer,  é tão absoluta que quase me leva a crer que a nossa natural condição é a de vivermos de alma coxa.  
   Mas se quem perde uma perna ou um braço pode pôr uma prótese, não poderiamos nós colocar também  próteses nas nossas amputadas almas?  Talvez. Mas não devemos esquecer-no que uma prótese é isso mesmo: um enxerto com a função de facilitar a vida a quem a usa.   Quando perdemos um verdadeiro amigo, um familiar muito querido ou o amor da nossa vida, a alma fica mesmo amputada e não há prótese no mundo que a faça voltar a ser inteira. Por mais que haja novos encontros,  chegada de outras pessoas ou o nascimento de outros afetos, jamais estes poderão ocupar o espaço de quem se foi.
  Contudo, e como esta visão da alma amputada não me agrada mesmo nada, prefiro tentar esquecer por agora a teoria e voltar à velha fórmula (pela qual tanto tenho lutado) de que todo o amor que sentimos por alguém, se mantém mesmo na ausência… tal como acontece a quem continua a “sentir” partes de si que perdeu.
Ana Amorim Dias