(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

25.7.12

Brilha-me o sol no pescoço




    Cheguei às bilheteiras pouco depois das dez. Contra o que é meu costume, não planeei absolutamente nada. Apenas sabia que era daquele local que saíam os barcos que, após cerca de uma hora a atravessar o rio de la plata, aportavam na Colonia del Sacramento, Uruguai.
   Após uns dias a sós em Buenos Aires pareceu-me boa ideia ir investigar o que se passava do outro lado do rio e “conhecer” um cheirinho de outro país mas, por não ter estudado a lição, o barco das nove já tinha partido há muito e o do meio dia já não me permitiria aproveitar bem a visita.   Embora pouco satisfeita, foi sem hesitar que alterei de novo os planos e rumei para o jardim japonês, para a floris generica e para o túmulo da Evita.  Deambulei, errante, por diversos pontos da bela cidade de Buenos Aires, absorvendo tudo com a paixão que em todas as viagens me move, mas também com o sabor algo amargo de ter deixado escapar a oportunidade de dar um saltinho ao Uruguai.
  - E agora? Como torno este dia memorável? – Dei por mim a pensar, para me recompensar da perda.   Não demorou muito tempo até algo memorável acontecer. O táxi que apanhei para regressar ao hotel, ficou retido a poucos quarteirões devido a umas manifestações populares que estavam a ter lugar junto ao Obelisco, pelo que decidi fazer o resto do percurso a pé. Ao caminhar vi uma loja de tatuagens e, como que sem vontade própria, entrei.
- Buenas tardes! Como puedo ayudarla? – Quis saber a simpática senhora.
- Quero um sol. – Respondi no meu castelhano muito europeu. – Pode ser já?
- Como no? – Respondeu ela na mais típica forma que os argentinos têm para dizer que sim. –
  Escolhi o meu sol e o local para o pôr: no lado direito das costas, logo abaixo do pescoço. Não demorei  meia hora a sair dali com o meu sol a brilhar-me também do lado de fora da pele. Sabia que um dia ia tatuar um sol a escorregar-me do pescoço, apenas não calculava que o faria em Buenos Aires e  para me consolar por não ter ido ao Uruguai.
   Só mais tarde me lembrei do sol que brilha no centro da bandeira Argentina e não pude deixar de sorrir: fico com a sensação que tudo se reveste,  para mim, de um sentido bem mais profundo. Lembrei-me disto hoje porque me torci em frente ao espelho espelho e,  mais que senti-lo em mim, vi de novo  o sol a brilhar-me no pescoço.
Ana Amorim Dias