(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

16.2.12

Uma noite bem dormida

     Acredito com convicção que pais ansiosos potenciam a ansiedade nos filhos, mas nada é mais natural para um progenitor do que satisfazer as necessidades das crias, fornecer-lhes condições seguras de desenvolvimento e impedir que sofram qualquer tipo de dor ou dissabor.
   Se a criança chora há que calá-la a qualquer custo. Não se dá uma palmada porque as marcas emocionais ficam para a vida. Os biberons têm que ser fervidos e só se pode “introduzir” o peixe no dia exato em que cumpre sete meses. Mais tarde é-se mau pai se a criança vai sozinha para a escola mesmo que a escola seja na esquina. Andar de skate nem pensar e de bicicleta só em terrenos planos e com joelheiras e capacete. A dieta tem que ser vigiada de perto e a ajuda tem que ser dada em cada disciplina. Não se é bom pai se a criança não andar em, pelo menos, uma atividade desportiva e a aprender um instrumento. Além de que o boné tem que estar sempre na cabeça e o telemóvel  ligado em qualquer circustância.  E acudam-nos todos os santos se os inocentes fazem  uma nódoa negra, uma esfoladela ou partem uma perna!
As crianças ficam a saber que há pessoas más que os podem raptar; que se comerem um chocolate apanham diabetes e que se não forem o melhor aluno da escola vão acabar a pedir esmola à porta da igreja. Elas ficam a saber que o mundo é um lugar feio e hostil em que se têm de proteger constantemente de tudo e de todos para não correrem o risco de se magoar fisica ou emocionalmente.
  Quando o Mundo é assim apresentado aos miúdos, através do excesso de protecionismo dos seus ansiosos pais, é natural que se tornem transtornados, ansiosos e dependentes de ansioliticos na idade em que antigamente se vivia a boémia vida de estudante da faculdade.
Mas afinal estes pais estão a proteger os filhos, tirando-lhes todas as pedras do caminho, ou estarão, pelo contrário, a potenciar seres incapazes de cortar o próprio bife?  Porque os pais, ansiosos ou não, não vão estar lá sempre para lhes pôr o bife à frente. Nem é esse o papel deles!
Um bom progenitor deve ser capaz de perceber o momento do colo e o da palmada; o bom progenitor tem que entender o momento certo para segurar na mão dos filhos e a hora exata em que a deve largar. Os bons pais e mães não caçam toda a vida para os filhos: ensinam-lhes a técnicas de caça e fazem-nos praticar. Os melhores progenitores não colocam os filhos em redomas de cristal,  fazendo-os perder a infância,  nem lhes ensinam o mundo como um lugar feio e mau, pelo contrário, mostram que a vida é um lugar bom onde por vezes aparecem pessoas menos boas e que é apenas dessas que devem ficar longe.  Os pais que vêm a ter filhos de corpo e mente sãos, são o que os deixam dar as quedas próprias da idade, mostrando que, aconteça o que acontecer, vão estar lá com o algodão e a água oxigenada, ou com o carro pronto para ir ao hospital pôr um bocado de gesso.
   Os pais que conseguem gerir a ansiedade com alguma eficácia costumam ter filhos que dormem pacificamente durante toda a noite e que, mesmo depois de adultos, continuam a dormir como anjos,  porque sabem que o mundo, mesmo não sendo por vezes seguro, é um lugar onde sabem como viver.
Ana Dias