(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

30.7.12

Que tipo de sogra serei?



Que tipo de sogra serei?

    Há uns dias, no duche, comecei a pensar sobre que tipo de sogra serei. O tempo passa num instante e isso ficou comprovado pela nostalgia com que os meus filhos ficaram depois da partida de duas amiguinhas que passaram umas semanas cá na quinta.
    A minha primeira conclusão foi que vou ser uma daquelas sogras espetaculares, que ninguém vê nem ouve; daquelas que são leves e não se metem em nada. Mas, ao avançar na divagação, não pude evitar imaginar o que farei se me calhar uma daquelas miudinhas irritantes e afetadas, que falam com a boquinha meio fechada e acham tudo uma seca. E se o Tomas ou o João se apaixonarem perdidamente por aqueles “pãezinhos sem sal”, com quem nada me identifico, que têm medo de tudo e não gostam de nada; daquelas que se aborrecem por a praia ter areia, o sol dar calor e o dia ter claridade? Se me calhar uma “mosquinha morta” serei uma sogra assim tão leve como pretendo ou deixarei que a minha irritação se note?
    A verdade é que o João, com o seu espírito vivaço e jeito de Don Juan, provavelmente vai andar a esvoaçar de flor em flor sem se prender muito a nenhuma. Quem me preocupa mais é o meigo Tomás, que já antevejo capaz de uma só exaltada paixão, coroada por muito sofrimento de amor. Que farei eu se lhes partirem o coração? Devo avisá-los desde já que nunca devem amar mais do aquilo que são amados? E como os ensinaria a medir tais desvarios da alma?
    No fundo a pergunta resume-se a isto: como se preparam os filhos para o amor? Como se pode explicar-lhes que amar é a apoteótica sublimação de toda a nossa existência mas que, por isso mesmo, é também um caminho mais perigoso e sofrido do que qualquer outro que se possa tomar? Como se ensina um filho a usar a única droga ancestral que tanto pode levá-los ao céu como fazê-los viver no inferno?
    Não tenho respostas para estas perguntas e creio que jamais as terei, apenas sei que compreenderei bem o que quer que venham a sentir e lhes conseguirei dar um bom colo quando o circo dos seus sentimentos arder nas labaredas ardentes da paixão.
    Quanto à sogra que vou ser… bem, não vale a pena preocupar-me muito com isso: daqui a breves anos já terei a opinião de quem se poderá pronunciar.

Ana Amorim Dias


29.7.12

De cabeça



    O tempo tem estado ventoso e, embora o mar esteja quentinho, a vontade de ir a banhos é roubada pela frescura que à beira de água se faz sentir.  
     Hoje, com a pele toda arrepiada, quase cedi à falta de vontade de me submergir por inteiro. Hesitei uns segundos: passos para trás e para os lados;  ombros encolhidos até às orelhas; saltinhos  nas amostras de ondas que teimavam em molhar-me o umbigo.
- Mas afinal és uma princesa do mar ou uma florzinha de estufa, pá? – Perguntei-me, já impaciente com tamanha mariquice.  E, em resposta à provocação que a mim mesma dei, lá mergulhei de rompante. E de cabeça, claro.
    Sempre disse que ir à praia e não tomar banho é como ir à discoteca e não dançar; é como andar de carro sem guiar ou ir ao aeroporto sem apanhar o avião. Ir à praia sem dar um mergulho no mar é como ir à feira de Abril, em Sevilha, e não pertencer, pelo sangue ou amizades, às casetas onde a manzanilha corre a rodos e se respira a tradição das mãos que bailam mais que todo o resto do corpo. Em resumo: ir à praia e não sentir o fresco abraço do  mar é ter  apenas meia experiência  e viver só por metade.
   Há pouco não sucumbi  ( porque raramente o faço ) à tentação de deixar  a vida  a meio mas, no momento em que vi o mundo como o vêem os peixes, percebi que era esta a mensagem que queria hoje deixar: valerá a pena viver sempre a meio gás? Não deveriamos estar mais conscientes de tudo aquilo que perdemos por não querermos sentir a água fria no lombo? É que viver só por metade não tem piadinha nenhuma, sobretudo se deixarmos a vida a meio quase todos os dias.
   Já estão a ver o que aí vem, não estão? É isso mesmo: o convite para deixarem de lado o frio e se atirarem… de cabeça, claro!
Ana Amorim Dias

27.7.12

Os senhores do lodo



      Aos seis anos decidi que queria ser advogada e sei bem porquê: antes de levar a cabo as minhas patifarias, preparava logo o  discurso de legítima defesa com uma tal convicção que toda a culpa e ilicitude eram  liminarmente retiradas às minhas ações.   Achei que tinha jeito para a coisa e lá passei os anos seguintes a tratar de entrar para a Clássica e, depois, a estudar para de lá sair.   Durante toda a infância e juventude pensei que ser uma lutadora da justiça era uma coisa muito bonita de se ser.
      Não sei qual foi o momento em que percebi que a justiça é quase uma utopia, a menos que lutemos por ela por meios pouco ortodoxos.  E também não sei com que idade comecei a olhar para certas leis e a pensar: “ Mas que raio?... Estes legisladores terão o cérebro nas unhas dos pés ou terão vindo de algum planeta distante?”.   Porque a verdade é só uma: há  legisladores (e corja que aprova certas leis se calhar sem perceceber sequer o que está a validar) que não vivem no mundo real.  Juro-vos que é a única explicação que encontro para as gargalhadas que dou ao ler regras, regrinhas e regretas que fazem o País tropeçar nos próprios pés sem ter oportunidade de se levantar sequer!  É absurdo! Quando vão perceber que esta diarreia legislativa só serve para travar o desenvolvimento económico, social e cultural do País?   Quanto mais legislarem cada respiração que damos, menos ar nos chega aos pulmões, é assim tão difícil de perceber?
   Outra coisa que eu pensava é que os políticos serviam para governar as nações e zelar pelo interesse comum. Coitadinha… as crianças acreditam mesmo em contos de fadas. Os únicos políticos sãos de quem já ouvi falar,  ou morreram assassinados ou passaram décadas presos.  Depois temos os outros, que só chegam ao poder por serem corruptos e só lá conseguem permanecer por pagarem bem os favores. Não importa se de direita, esquerda, centro ou extremos,  a podridão é toda a mesma. Pavoneiam-se no seu pedestal de poder e pactos de senhores do lodo, sem perceber o quão repelentes são.
   Entretanto, do outro lado da barricada, trabalhadores e empresários, já de joelhos e lombo dorido,  vão continuando a carregar às costas todo o peso do país; vão continuando a ceder a todas as infâmias e vergastadas sem se atrever a contrariar os lacaios formatados dos senhores do lodo, todos esses políticos rastejantes que desde há muito têm vindo a deixar o País neste maravilhoso estado.
   Talvez todos os trabalhadores continuem calados com a perda de direitos há muito adquiridos;  talvez nenhum empresário  faça nada contra as trezentas licenças e obrigações a que tem de dar resposta para poder produzir; talvez ninguém mais coma bolas com creme na praia  nem se chateie por o nível de vida estar cada vez mais calamitoso. Talvez ninguém se importe por haver carros de centenas de milhares de euros a ser comprados para os chulecos do poder,  e haver idosos que não têm para comer depois de terem sustentado o país durante toda a sua vida. Talvez ninguém se importe por não haver dinheiro para pagar a enfermeiros, professores, bombeiros e tantos outros  que trabalham,  por vezes,  mais por serem bons seres humanos do que pela miséria que ganham.   Talvez ninguém se importe com a estupidez que é ter que  instruir os filhos a pedir fatura a cada chupa que comprem pois podem (quem sabe?) vir a correr o risco de ser presos…
  Ou talvez toda a gente se importe e apenas ninguém saiba como agir. Porque aguentar as pauladas dói, mas reagir a elas dá medo…  
   Aos seis anos quis ser advogada e sabia bem o porquê. Hoje sou escritora e ainda percebo melhor as razões: porque posso dizer o que quero ( vamos lá ver até quando...?); porque posso não calar   o que sei e aquilo em que acredito  e  para, entre muitas outras coisas, vos dizer aqui e agora que todos vocês se importam com todas as questões  que acabei de focar! Então pensemos bem em tudo o que, serena e tranquilamente, está nas nossas mãos  fazer para deixarmos de ser uns completos bananas!!
  Ana Amorim Dias
   

25.7.12

Brilha-me o sol no pescoço




    Cheguei às bilheteiras pouco depois das dez. Contra o que é meu costume, não planeei absolutamente nada. Apenas sabia que era daquele local que saíam os barcos que, após cerca de uma hora a atravessar o rio de la plata, aportavam na Colonia del Sacramento, Uruguai.
   Após uns dias a sós em Buenos Aires pareceu-me boa ideia ir investigar o que se passava do outro lado do rio e “conhecer” um cheirinho de outro país mas, por não ter estudado a lição, o barco das nove já tinha partido há muito e o do meio dia já não me permitiria aproveitar bem a visita.   Embora pouco satisfeita, foi sem hesitar que alterei de novo os planos e rumei para o jardim japonês, para a floris generica e para o túmulo da Evita.  Deambulei, errante, por diversos pontos da bela cidade de Buenos Aires, absorvendo tudo com a paixão que em todas as viagens me move, mas também com o sabor algo amargo de ter deixado escapar a oportunidade de dar um saltinho ao Uruguai.
  - E agora? Como torno este dia memorável? – Dei por mim a pensar, para me recompensar da perda.   Não demorou muito tempo até algo memorável acontecer. O táxi que apanhei para regressar ao hotel, ficou retido a poucos quarteirões devido a umas manifestações populares que estavam a ter lugar junto ao Obelisco, pelo que decidi fazer o resto do percurso a pé. Ao caminhar vi uma loja de tatuagens e, como que sem vontade própria, entrei.
- Buenas tardes! Como puedo ayudarla? – Quis saber a simpática senhora.
- Quero um sol. – Respondi no meu castelhano muito europeu. – Pode ser já?
- Como no? – Respondeu ela na mais típica forma que os argentinos têm para dizer que sim. –
  Escolhi o meu sol e o local para o pôr: no lado direito das costas, logo abaixo do pescoço. Não demorei  meia hora a sair dali com o meu sol a brilhar-me também do lado de fora da pele. Sabia que um dia ia tatuar um sol a escorregar-me do pescoço, apenas não calculava que o faria em Buenos Aires e  para me consolar por não ter ido ao Uruguai.
   Só mais tarde me lembrei do sol que brilha no centro da bandeira Argentina e não pude deixar de sorrir: fico com a sensação que tudo se reveste,  para mim, de um sentido bem mais profundo. Lembrei-me disto hoje porque me torci em frente ao espelho espelho e,  mais que senti-lo em mim, vi de novo  o sol a brilhar-me no pescoço.
Ana Amorim Dias

23.7.12

O polvo



    Não sei porquê, acordei com a palavra “azimute” a saltitar-me no pensamento. Além de ser uma medida de abertura angular usada nos meios náuticos, “azimute”, para mim, é nome de barco. Deve ser por isso que o pensamento seguinte me caiu no “Charrama”, o barquito do meu pai que, nos meus tempos de criança, transportava toda a família ( mais o cão, o piriquito e o aquário com os dois peixinhos vermelhos) para  acampar na ilha do Farol.   Daí a lembrar-me do episódio do polvo foi um salto.
   A verdade é que eu era tão pequenina que  não guardo memória da ocorrência, mas tantas vezes  a ouvi, narrada pelo meu pai, que se me formaram imagens de tão singelo momento. Íamos os três no “Charrama”:  eu , o meu pai e o meu irmão e, a certa altura, o meu pai apanhou um polvo tão grande que eu, apavorada com a maquiavélica aparência dos tentáculos do animal, comecei a chorar de medo. Para que o susto me passasse, o meu pai segurou-o do lado de fora do barco  e o bicho aproveitou o momento para se esgueirar de  novo para o mar.
  Houve alturas em que cheguei a pensar que o meu pai tinha ressentimentos comigo por ter sido a minha birra a fazê-lo perder tão possante animal. Mas não. Não era ressentimento. Era apenas uma história que contava com o doce sabor da  proteção paternal a envolver-lhe as palavras. É que, percebi-o agora,  ele teria deitado fora todos os polvos do mundo só para não me ouvir chorar.

Ana Amorim Dias

22.7.12

Ouvi com os meus próprios olhos!



   Ia eu a guiar,com os meus dois anjos no banco de trás, quando oiço o Tomás a rematar a ocorrência que tinha acabado de me narrar: - Juro que ele disse isso,  mãe! Eu ouvi com os meus próprios olhos!! –
    Rebentei em gargalhadas  e ainda o ouvi perguntar: - Vai dar crónica, não vai mãe? -  Mas não lhe respondi porque fiz uma travagem (suave) para não matar um camaleão que seguia, sereno, o seu caminho.   Liguei os piscas, encostei o carro à berma e disse aos meus caçadores para apanharem o animal para repovoarmos a Quinta pois já há algum tempo que não  viamos por lá nenhum Tobias ( todos os camaleões da Quinta são batizados assim, mas não me perguntem porquê).
   Sucedeu que nem um nem outro se sentiram  confortáveis com os ferozes sopros do Tobias XVI, que se escapou para debaixo do carro. Arrancámos de novo, devagarinho, e o Tobias XVI lá saltou. Voltei a parar, a ligar os piscas e a enviar os meus caçadores de dragões naquela difícil missão. Mas,  para grande espanto meu,  faltou-lhes a coragem e lá tive eu que sair do carro e agarrar o animal pelo lombo. Meti-o dentro da mochila do lanche do João para o soltar no pinheiro mais próximo de casa, onde estavamos quase a chegar.
- Mas vocês, dois moços do campo, tão safos e corajosos, não tiveram capacidade para apanhar um mero camaleão?!?  Nem parece vosso, meninos! – Ralhei eu, genuinamente desapontada.  – Parece mentira, ter sido eu a apanhá-lo! –
- Óh mãe… Tu és mesmo nossa mãe! – Disse o Tom,  muito orgulhoso.   
  Juro que me deu este perfeito elogio. Juro porque eu ouvi… com os meus próprios olhos!
Ana Amorim Dias

21.7.12

Traficante de creme




    Numa época em que a crise obriga a novas ideias de negócio, ocorreu-me que há um filão a que me devia dedicar.  Todos sabemos que as bolas de berlim sabem bem é na praia, sobretudo se estiverem quentinhas e bem recheadas de creme. Contudo as autoridades higiénicas lembraram-se, logo  no início do auge da época balnear, que comer cremes na praia representa um perigo imenso para o bem estar da nação. Vai daí começaram a multar todos os vendedores de bolas, essas pessoas de bem e de trabalho, que estoicamente galgam as praias sob um sol escaldante  distribuindo o delicioso sabor das recheadas bolas,  como se fossem malfeitores responsáveis por grande parte dos males que afetam a humanidade.
    E é então que nós, comuns cidadãos,  que apenas pretendemos  esquecer, entre mergulhos no mar, toda a crise que nos afeta, nos deparamos com o ar apavorado dos vendedores de bolas ao fazer-lhes  o singelo pedido: - São três bolas com creme se faz favor. -   Eles olham para nós como se estivessemos a pedir-lhes que nos fornecessem cinco gramas de cocaína e então, com todo o cuidado, olham em redor e dizem em surdina: - Passo por aqui às quatro horas, mas peça apenas “das outras” e baixinho de preferência! -
   Por volta das quatro da tarde, todos estamos alerta para a chegada do “dealer” que, sorrateiro e a medo, nos “passa” as benditas bolas com creme como se um crime estivesse a ser cometido. Vejo o ar deliciado das crianças que, como verdadeiros “agarrados”, se deliciam com o proibido produto e não consigo evitar perguntar-me se não faria muito dinheiro a embalar creme de bolas de berlim em doses individuais, vendendo-as depois, à candoga,  pelos nossos areais…
   Mas não, decido não enveredar por uma carreira de traficante de creme, no entanto não me conformo com o facto de continuarmos a ter autoridades tão estúpidas.
Ana Amorim Dias
  
  

20.7.12

O fogo de todos por todos



    Nos poucos dias em que levo sombrinhas para a praia,  adoro ficar mesmo perto do mar mas hoje acho que abusei. Não medi bem a subida da maré que, ao fim de algum tempo, se começou a aproximar perigosamente da exagerada quantidade de coisas que trouxemos. Iniciei então a contrução de um dique de areia,  obra a que os outros três adultos e cinco crianças se juntaram. Rapidamente tinhamos uma contingência de construção semimegalómana a dezoito mãos. Um arrepio emocionado percorreu-me a alma: a bricadeira interativa entre nós, o mar e a  areia ganhou um sentido mais profundo que me lembrou da importância suprema da entreajuda.
   Enquanto íamos construíndo os três diques sucessivos para proteger o “forte”,  fui olhando para a assustadora nuvem de fumo que se mantém  a oeste, vinda do enorme fogo que continua a lavrar a norte de Tavira. Ao vê-la não é alma que se me arrepia, é mesmo a pele. Há oito anos, exatamente por esta altura, vivi a experiência mais assustadora da minha vida. Ficou-me gravada a fogo, um fogo que ardeu lá na  quinta e que se continua a acender em medo de cada vez que o perigo ardente se aproxima.  De tudo o que de mau já vivi, tenho a certeza que este episódio foi o único que até hoje ainda não consegui superar e “resolver”, não obstante ter-me trazido a certeza de que não fico parada perante nada.  Apesar da passagem dos anos não terem apagado em mim o ardente medo do fogo descontrolado,  mantenho a memória de todos quantos se juntaram àquela terrível luta, porque foi nessa noite que aprendi que há quem venha para ajudar; há quem, sem esperar nada em troca, dê mostras inesquecíveis de altruismo e solidariedade, que nada mais são que outras formas de amor ao próximo.
   Os três diques de nada serviram contra a força do mar crescente e acabámos por ter que mudar a parafernália toda uns bons metros mais para cima, mas creio que as cinco crianças se aperceberam bem do valor do “todos por todos”. Às vezes as lutas que travamos não bastam para proteger o nosso “forte” mas, enquanto a solidariedade e amor ao próximo existirem, existirá sempre também a força para nos voltarmos a erguer das cinzas. 
   Por tudo isto não posso terminar sem referir que o meus pensamento e orações estão com todos os que, neste momento, se encontram a lutar,  “ todos por todos”,  contra as chamas.
Ana Amorim Dias

17.7.12

Cartagena


    Quando o avião se começou a fazer à pista tentei visualizá-lo de novo. Não me lembrava de ter entrado em nenhum hidroavião e estava prestes a aterrar no meio da água. A pista apareceu finalmente e só recordo que a primeira impressão de Cartagena de Indias, na Colômbia, foi diametralmente oposta à ideia com que de lá voltei. Inicialmente pensei que criara expetativas demasiado altas pois tudo era banal e sem graça mas,  à medida que o taxi se ia aproximando da velha Cartagena, fui-me deixando deslumbar.
    As memórias estão já vagas pois muitos anos se passaram e, nessa época, nem existiam iphones nem eu sabia ainda que era escritora e que devia registar  com palavras  cada sensação à medida que as ia sentindo. Mas ficou-me gravada a beleza quase sobrenatural do fundo do mar nas Islas del Rosário; ficou-me marcado o sentir dos cheiros, da atmosfera, dos sons e sabores. E ficou-me uma imagem:  a entrada do clube de vela, à noite, onde já não me recordo porque não cheguei a jantar.  Creio que passámos lá de charrete, a caminho de qualquer outro destino onde a noite já estava planeada.  A imagem daquela entrada de vegetação tropical e contornos coloniais, coroada pelas velas e tochas que ardiam oscilantes sob a suave brisa quente, está tão nítida em mim como se a estivesse a ver neste momento. Talvez por isso não me tenha esquecido da promessa que me fiz de lá voltar e não deixar de jantar no clube de vela…
   E agora que me lembro de tudo isto uma nova ideia me surge: é que viajar é como amar,  por melhor que se escreva não há palavras que descrevam estes dois estados de espírito.
Ana Amorim Dias

16.7.12

A árvore




   Uma das características  mais bem marcadas do Homem é a sua tendência para ir acumulando coisas ao longo da vida. Esta tendência pode fazer-se sentir em vários graus e, se alguns são acumuladores patológicos, outros existem que quase não evidenciam a vontade de ir guardando.
   Eu sou louca por colares. Tenho  preferência por aqueles que são únicos, rústicos;  em que a alma do artesão fica um pouco lá  impressa  e a estória do objeto é muito maior que ele.   Não sou colecionadora de colares; apenas vou guardando  cada um deles com um carinho muito especial porque todos têm um significado fantástico;  muitos deles vieram de alguma recôndida parte do mundo, imbuídos das memórias que guardo dessas viagens ou do amor de quem mos trouxe. Tenho um,  dos povos Mauberes, trazido pelos meus pais; tenho outro de contas milenares,  de uma tribo da américa central, oferecido por uma mulher que eu jamais esquecerei:  mora do outro lado do mundo e dois colares iguais tinham-lhe sido oferecidos  pela avó  para que os desse às suas filhas…
   Há tempos decidi organizar mais condignamente os colares/estórias que tenho acumulado. Pendurei alguns nesta árvore seca que, na sua simplicidade, os consegue valorizar.  Gosto de ficar no meu quarto, perdida nos pensamentos, a olhar para a árvore sagrada dos colares/estórias: e acabo sempre por sonhar com  a capacidade de desenvolver  em mim uma árvore sagrada que dê para pendurar todas a as minhas memórias.
Ana Amorim Dias

15.7.12

Depressa e quente




   Ainda no seguimento da crónica do domingo passado, sobre a alegria no trabalho, partilho hoje esta fotografia de colaboradoras/amigas a fazer uma pausa em pleno casamento.  Quando se trabalha muito e se tem o à vontade de pausas dignas de grandes  “dondocas”, tudo acaba por ter uma eficiência superior.
   Mas o que mais me marcou no dia de ontem foi quando a Cristina, a cozinheira, que  não aparece na foto porque é uma daquelas máquina de guerra que não precisa de comer nem de descansar, se virou para mim, enquanto o jantar estava a ser servido, e me disse com má cara: - É depressa e frio  ou  mais devagar e quente! Tens que escolher! Não podes ter depressa e quente!! –
  Confesso-me: gosto que os convidados dos casamentos que me contratam sejam servidos com comiga farta e  gostosa. E tento certificar-me sempre que não tenham que esperar. Nada! Detesto esperar, mas creio que odeio ainda mais deixar pessoas à espera. Sobretudo pessoas cujo bem estar me foi confiado.
   Mas voltando à cozinha e à cara de má da Cristina: quando esta maravilhosa e destemida mulher, me faz cara de má, sei bem o que se esconde por trás! É uma cumplicidade e admiração mútuas que fazem com que os maus feitios de ambas, nos momentos de maior stress, sejam uma mera gota de água num oceano de entendimento que se coze sem palavras. Foi por isso que quando me ralhou eu dancei. Dancei para ela e dei-lhe o meu maior e mais aberto sorriso, a dizer-lhe com toda a energia que o meu corpo emite que os impossiveis não existem. Ela tentou manter a má cara. E conseguiu. Mas os anos que já passamos juntas permitiram-me saber que por dentro ela sorria.
Querida Cristina, tenho algo a dizer-te: servir duzentas ou trezentas  pessoas com rapidez e comida bem escaldante não é nada de outro mundo. Sobretudo se formos nós as duas a encarregar-nos disso!
Ana Amorim Dias

13.7.12

O momento secreto


   Acabei de descobrir uma coisa fantática: comer melancia com uma pastilha de mentol na boca é muito agradável!   Mas não é nada disto que vos quero dizer.   Depois de trabalhar o dia todo,  e antes de jantar e ir trabalhar de novo, fiquei  indecisa entre um banho na piscina e vir escrever. As ganas criativas falaram mais alto. Se ainda tiver tempo já vou ao mergulho. Caramba… também não era isto que queria dizer!
   A crónica de hoje, apesar dos iniciais devaneios, vem explorar uma ideia: o sabor daquela  janela de tempo em que as coisas que criamos ainda são só nossas.
   A crónica de ontem ( sim, a dos homens de cabelos pintados ) foi escrita de manhã mas, por motivos que agora não importam, só foi “para o ar” depois do jantar. Li-a à minha mãe momentos antes de a publicar e disse-lhe: -  Esta ainda é só minha, ainda ninguém a leu! - 
    Fiquei a matutar no que disse, pensativa com o que se sente antes da partilha. Há coisas que são feitas para partilhar mas, no espaço de tempo que vai da criação à estrega ao Mundo, existe o momento em que temos um segredo só nosso e isso tem um sabor muito especial. Este momento secreto pode durar minutos, dias ou anos, mas quando algo é para ser visto, ouvido, lido ou sentido, acaba sempre por chegar aos destinatários.  Tenho um romance pronto há cerca de um ano: o “Orgasmos da Alma”. Já rejeitei propostas de edição por saber que não teriam a capacidade de o fazer chegar aos destinatários que quero. O “Velho Farol”; o “Sol da vida” e o “Zoia” aguardam edições mais condignas. O “Orgasmos da Alma” e o “Quatro” esperam existir enquanto objeto palpável passivel de ser comprado em qualquer local. Estes últimos ainda estão no seu momento secreto; na tal janela temporal em que obra  e criador  se continuam a encontrar na relação umbilical que antecede a vida.
  Por agora é tudo. Vou ao meu mergulho e “atacar” um pouco mais de melancia com pastilha de mentol!
Ana Amorim Dias
  

12.7.12

Homens que pintam o cabelo



   Queridos homens que pintam o cabelo: esta crónica é para vós!  Sim, porque certamente há mais quem queira dizer aquilo que  eu não vou calar.  Mas acontece que o assunto é tão delicado que não devem ter coragem de vos começar sequer a explicar a triste figurinha que fazem!
  Há coisas que têm que ser ditas. E se é aceitável que um homem se depile ou trate das unhas, já o ato de pintar o cabelo, vem desvirtuá-lo por completo.  Querem parecer mais jovens? Muito bem: mudem o estilo de vestir ( fundilhos em baixo aviso já que é exagerado, está bem?); vão para o ginásio; comprem uma mota ou aprendam a surfar. MAS NÃO PINTEM O CABELO!!   Não é  a juventude nem a beleza estereotipada que torna as pessoas atraentes. O que torna um homem sexy e charmoso é a inteligência, o humor e a consistência. E o que é a consistência?  É a aparência corresponder à essência e à idade. É ser-se verdadeiro no que se enverga e na atitude com que se pisa o chão.  É não se recorrer a patéticas fórmulas de rejuvenescimento que não enganam ninguém e que apenas servem para fazer cair no ridículo quem as usa.
   Queridos homens: o vosso envelhecer é muito mais simpático que o nosso; muito mais sensual e benevolente, por isso não se deixem levar por tintas ou penteados supersónicos para disfarçar as carecas.  O cabelo está a ficar branco? Enverguem-no com a sabedoria que isso, sem dúvida, vos trouxe.  Estão a ficar carecas? Rapem o resto. Se são belos não é isso que vos vai tornar feios e, se não são, é porque o vosso encanto sempre esteve escondido noutros atributos e não se precisam de preocupar com essas ninharias.
Ana Amorim Dias

11.7.12

Este combóio não pára




   Por vezes acontece. Sento-me a beberricar a meia de leite escura sem fazer a mínima ideia do tema da crónica. Demoro muito pouco tempo  a  começar e ela acaba sempre por sair. Rápida, segura e sentida.  
   Hoje olhei para televisão. O Elton John estava a  cantar  “This train don’t stop there anymore”.    Gostei da melodia. Procurei a letra na internet para lhe entender melhor o sentido.  Conta a estória de alguém desencantado com o amor que confessa nunca ter percebido muito do assunto e não conta lá parar de novo.   Como acontece com toda a poesia, posso ter falhado na interpretação. Ou então este é apenas um dos muitos sentidos das estrofes.
   O importante é pensarmos  um pouco sobre o nosso combóio. Parou ele em demasiadas estações?  Ou terá parado em muito poucas?  Parou por demasiado tempo? Ou arrancou cedo demais?   Não terá prestado atenção e falhado alguma estação importante?  Será que partiu com a última estação ainda no pensamento?
  O que pergunto é:  poderemos dizer que o nosso combóio não volta a parar no amor? Dizer isso até podemos, mas não quer dizer que corresponda à realidade futura.
  De qualquer forma, e mesmo correndo o risco de desvirtuar os parágrafos anteriores,  creio que esta analogia não faz muito sentido. Porque os combóios andam sozinhos:  apenas se cruzam com outros e param por breves momentos nas suas estações.  Se amor e combóios podem ter alguma poética relação, creio que só podemos dizer que, das duas uma: ou saltamos lá para dentro, ou ficamos na estação… a ver passar os combóios…
Ana Amorim Dias

10.7.12

Marcados




   Olho para a minha mão pousada no volante. Um pouco acima do pulso, reparo na marca de uma queimadura feita ao tirar pizzas do forno, no dia 21 de Abril por volta da hora do almoço. Lembro-me da data porque estava a preparar a festa de anos do  João.  E também me lembro que quando me queimei  levei o braço à boca e, com a minha saliva, melhorei instantaneamente.  Mas a queimadura ainda deve ter sido de monta, para se notar a marca passado tanto tempo.
    Fico a pensar nas marcas que todos temos. No corpo e na alma. Marcas suaves ou brutais. Bem visíveis ou invisíveis. Marcas que ficam para sempre ou que, num sopro mágico, se perdem nas brumas da soma de novos dias.     Penso nas marcas boas e nas más; nas dolorosas e nas que quase nem sentimos.  Penso nas memórias de dias felizes;  nas trágicas quedas que deixaram cicatrizes e nos ferros em brasa que marcaram os nossos corações com as iniciais eternas de quem já amámos...
    Será importante termos a plena consciência e lembrança de cada marca em nós?  Será importante recordarmos em que circunstância e data elas se gravaram na nossa pessoa?  Devemos preservar essas marcas como uma importante parte de nós ou tentar camuflá-las com mil subterfúgios?
    Creio que não temos escolha: somos feitos células marcadas pelo devir da vida; feitos dessa matéria intangível a que chamamos alma, que grava cada marca. Para sempre.  Boa ou má. Há que aceitá-lo apenas. Porque existir sem ter marcas seria como banir as estórias que escrevem a nossa história. Porque nem toda a saliva do mundo, por mais que nos aplaque a dor, consegue apagar aquilo que nos marcou.
Ana Amorim Dias
     

Manual de instruções



  Sempre que vejo aqueles cartazes que ensinam como se lavam as mãos, fico com a sensação que há alguém a gozar connosco.
  - Mas que raio?!... – Penso. E quase fico tentada a procurar câmaras escondidas, preparadas para  filmar quem siga os cinco ou dez meticulosos passos ( sim, porque há várias modalidades) para desencardir as mãos.
  Estapanta-me até que ainda não seja obrigatório termos um poster nas nossas casas de banho que explique, com desenhos e legendas ( proporcionalmente talvez uns quarenta passos, não?), como devemos proceder na nossa higiene integral. 
   Depois,  mais um poster em cima da sanita e, porque não,  outro em cima da cama, a explicar como  se faz o amor.
   Desculpem. Estou a deixar-me levar. O que quero dizer é que os livros de auto-ajuda me fazem lembrar esses cartazes de instruções. Precisamos mesmo que nos ensinem como se lavam as mãos? Precisamos mesmo que nos expliquem como se alcança o sucesso em todas as áreas da vida? Caramba! Todos sabemos que é metade trabalho e metade sorte! Ou talvez a proporção não seja bem esta, mas estão a perceber a ideia, certo?
  Sei que às vezes, com o que escrevo, corro o risco de ”impingir” métodos de auto-ajuda, contudo limito-me a partilhar pensamentos e conclusões; a miha própria visão da vida. Não imponho as minhas fórmulas. Partilho-as. Com um objetivo apenas: pensar alto e fazer os outros pensar. E chegar às suas próprias conclusões.
   Parece-me que os livros de auto-ajuda se transformaram nas Biblias e Corões dos tempos modernos. Com áreas, temáticas e estratégias para todos os gostos.  O que não nos podemos esquecer é que cada pessoa tem os seus próprios métodos, que podem não funcionar nos outros. O que não podemos esquecer é que ninguém chega ao mundo com livro de instruções: temos que ir experimentando, acertando e falhando para saber como nos ajudar a nós próprios.  Porque, afinal, todos sabemos lavar as próprias mãos, não é verdade?
Ana Amorim Dias

7.7.12

Poker face


 
    Há uma teoria que diz que quanto menos revelarmos as nossas emoções mais temos a ganhar.  A carinha de póquer entra então em ação:  a ausência total de expressões faciais e corporais representam o cume da montanha de gelo que conseguimos aparentar ser.   Mas surgem duas questões:  será que se consegue mesmo fazer a poker face?  Integral e perfeitamente?  Quer dizer, em todas as situações da vida, conseguirão as pessoas esconder efetivamente as suas emoções e sentimentos de todos os outros?  Duvido muito…
    A segunda questão prende-se com as vantagens: será mesmo vantajoso andar sempre com carinha de póquer? Se assim fosse não perderíamos a maior fatia do bolo do encanto humano? Se assim fosse não ficaríamos todos com a sensação de morar em L.A. e ter sido submetidos àquelas plásticas que roubam toda a expressão? 
   Afinal quando é que se deve pôr a poker face e quando é que devemos dar largas às nossas mais expressivas manifestações de humores?
  Na minha opinião pessoal,  a carinha de póquer só devia ser mesmo usada nos jogos a dinheiro e em mais situações nenhumas. A poker face é uma máscara;  uma falsidade que,  por mais que pontualmente traga uma ou outra vantagem, nos tira a honra e o brilho.  Não confio em “poker faces”; não confio em quem não sustenta com o olhar as palavras. Posso  não gostar de sorrisos amarelos  nem  de esgares cínicos, mas prefiro-os, de longe, à suspensão facial de emoções.  
  Ser humano é ser imperfeito. Ser humano é tentar caminhar para o aperfeiçoamento pessoal.  E camuflar o reflexo de emoções menos boas é um perigo a que não devíamos querer estar sujeitos. É bom saber com o que contamos. É bom mostrar aos outros o nosso agrado ou desagrado. Mesmo que não seja o que nos proporciona  maiores ganhos é,  sem dúvida, o que que nos torna mais honestos.
 Não termino sem uma reflexão que , mesmo podendo não ser acertada, tem muito de certo: as pessoas  realmente inteligentes sabem que não é só com a inteligência que os obstáculos se vencem; sabem que as emoções, bem usadas e demonstradas, podem ser tão “inteligentes” como a própria inteligência.
Ana Amorim Dias

Na ponta dos dedos




   Segundo a minha mãe, não há assunto que não me inspire.
- Como é que escreves assim sobre tudo?  - Pergunta-me às vezes.
- Sei lá! Se calhar é porque há sempre algo a dizer sobre tudo. – Respondo-lhe.
 E hoje apetece-me fazer um tributo aos dedos.  
    Uma vez cortei um bifinho de um dos meus dedos na fiambreira. Sem ter tempo para o impedir, deitaram-no para o balde do lixo,  agarrado a uma fatia de queijo.  Apesar da aflição do momento, guardo a memória com carinho. Não pude coser de novo a mim a parte deitada fora, mas o dedo sarou e só olhando com atenção se percebe a imperfeição.   Desde então passei a respeitar mais os dedos. Não apenas os meus, mas os dedos em geral.   Eles  são uma das portas mais escancaradas da nossa perceção sensorial.  Com a ponta dos dedos consegue-se ver de uma maneira diferente do que com os olhos. Não é à toa que dizemos constantemente às crianças: - “ Não toques, não é para mexer!”.   A “visão” da ponta dos dedos é mais apurada com texturas, temperaturas e outras canduras;  capta tensões e percebe emoções.  Os dedos fazem, agarram, apalpam e sentem. Os dedos não mentem.  Os dedos atuam, flutuam, amuam. Descobrem segredos e revelam enredos.   Os dedos acalmam, serenam e aplacam; viajam nos corpos de quem se ama e completam o sentido da vida com todo o tato.
    Fico feliz por o “bifinho” perdido não ter levado consigo toda a magia que na ponta dos dedos se encerra…
Ana Amorim Dias

5.7.12

Vinte para a meia noite



     Há cinquenta e uma horas que não escrevo,  mais coisa, menos coisa.  Estou  sonolenta: acasos do dia-a-dia não me têm permitido dormir. Tenho fome. O almoço de hoje foi a única refeição decente a que, nos últimos  dois dias,  me rendi. E mesmo assim comi à pressa. Vou buscar cerejas ao frigorífico. Ou será melhor um sumo de manga? Sempre dá menos trabalho…
   Mas a fome que realmente sinto é a fome de escrever. E o sono que me invade é o da inércia, por tanto tempo,  dos dedos sobre as teclas.  Cinquenta e uma horas… cinquenta e duas daqui a nada!  As cerejas que esperem! Ou o sumo de manga, não sei!  Por agora só o dedilhar das teclas e o fluir das palavras me podem tirar a fome. E o sono.
 - Não fazes mais isto, ouviste? – Digo-me.
- Não. Claro que não! – Respondo-me.   
– Cinquenta e uma horas… quase cinquenta e duas… que vergonha, Ana! – Insisto de mim para mim.
- Eu sei, eu sei! Podia ter roubado cinco minutos ao tempo e aplacado o vício à alma… Não se volta a repetir! –  Respondo-me de novo.
- Não lhes dizes? – Recomeço. –
- Claro que sim. Esta crónica é mesmo para isso! –
   É. É para isso, esta crónica. Para vos pedir paciência porque as crónicas diárias já não “sairão” às nove e meia da manhã.  Talvez até nem  me “saiam” todos os dias. Mas prometi-me não voltar  a estar tanto tempo sem escrever. É horrível!  Dá-me fome ao coração; sede à alma; frio à vida e sono aos pensamentos.   A crónica (quase) diária “sairá”.  Apenas não sei a que horas, pelo menos até ao fim do Verão e ao regresso dos miúdos à escola.  Por isso não deixem de cá passar:  os meus Dias Escritos cá estarão à vossa espera.
  Bem, agora vou às cerejas. Ou será ao sumo de manga?
Ana Amorim Dias

3.7.12

Fartei-me de rir



- Mãe? –
 - Sim, João? –
 - Sabes?... Conheço um menino,  mais velho que eu,  que chumbou logo na primeira classe… -
   Eu não disse nada, fiquei apenas à espera para ouvir onde é que ele queria chegar.
- Sabes porque é que ele não passou, mãe?  -
- Diz lá. –
- Porque… ai como é que se diz… porque ele é “proglemástico”.
   O Tomás começou a rir e nem sequer o corrigiu porque já sabe que eu adoro perdidamente estas pérolas. Eu continuei  a guiar e a repetir cada letrinha, com medo de me esquecer da palavra.  E, de repente, ocorreu-me que grande parte dos “proglemas” das pessoas decorrem de não  se saber saborear as falhas e os erros; próprios e alheios. A humanidade podia ser bem menos “proglemástica” se tentasse encarar as falhas ( próprias e alheias) como eu encarei a palavra mal pronunciada do João: como um engano que, a seu tempo, se corrigirá com a aprendizagem, a maturidade e a vivência.
  Sim, o Mundo seria mesmo um lugar bem menos “proglemástico” se todos olhassemos para os erros como uma ferramenta fundamental para os futuros acertos!  Mas primeiro há que perceber que estamos a errar ou mostrar aos outros que erraram…  Por isso acho que hoje vou explicar ao João que é “problemático” que se diz.
Ana Amorim Dias

2.7.12

Alegria no trabalho

  Trabalhar bem disposto devia ser um requisito obrigatório. Com a diversão laboral aumenta-se a competência, a produtividade e a simpatia.  Quem trabalha com alegria e à vontade, consegue níveis de eficiência muito mais elevados por causa de uma coisinha muito simples chamada ENERGIA. Positiva, claro.
   Quando, como clientes, chegamos a um local onde os funcionários cumprem as suas funções enquanto riem e  brincam entre si com uma cumplicidade bem firme, percebemos logo que nos sentimos bem ali.  Quando somos atendidos com leveza e simpatia genuína, queremos voltar. Simplesmente porque sabe bem estar no meio da alegria.
   Tenho a sorte de trabalhar rodeada de pessoas assim. Que me aturam o mau humor pré-cafeínico; que partilham o sabor doce de cada pequeno sucesso;  e  que aderem a cada uma  das minhas incontáveis loucuras, com um sorriso divertido nos lábios.
  É frequente, enquanto grupos mais reduzidos ou mais alargados de maravilhosas pessoas preparam as festas na Quinta do Monte, haver cantorias, gozos, gargalhadas e muita diversão. Quando há tempo atiram-se para a piscina antes do almoço. Outras vezes colaboram com partidas que os noivos querem pregar aos convidados e são atores fantásticos que deixam cair o bolo de noiva ao chão. As estórias que temos são inesquecíveis e crescem em número a cada festa que fazemos. Todos eles são ases indomáveis, donos de pequenas peculiaridades e grandiosas capacidades. É um prazer trabalhar assim. É uma honra trabalhar com eles.
  Por isso, hoje, aqui lhes deixo o meu sentido “obrigada” e a promessa de, em breve, escrever algo tão sincero e sentido para as meninas da cozinha ( caso contrário estou feita ao bife!!).
   Quanto a vocês, que estão a ler, pensem só em como podem melhorar a diversão no vosso local de trabalho: garanto-vos que a produtividade aumenta e o cansaço das longas horas se supera muito melhor!
Ana Amorim Dias