(...) e a confiança cega
que tenho na minha verdade
não a detém quem me nega
as asas da liberdade ...

Ana Amorim Dias

31.1.12

Pedra tumular


Ontem à noite, depois de um esforço titânico para conciliar desavindos, pensei na maneira como tenho conduzido a minha vida. A minha formação académica preparou-me para os pleitos mas, uma das maiores máximas do meio judicial é: “ mais vale um mau acordo que uma boa demanda”…   e se assim é, talvez seja pelo facto de a razão “popular” perceber que a grande fonte das soluções para os problemas reside na paz e não na guerra…
   Sem dúvida! A formação académica e profissional prepararam-me para os conflitos… mas a minha alma veio preparada para as conciliações e para as resoluções dos conflitos apelando à parte boa que existe no coração de cada pessoa. Mais vale um mau acordo que uma boa demanda. Mais vale ceder e condescender do que astear o orgulho e os argumentos como uma bandeira de aço.
Pensei em tudo isto ontem à noite e percebi que toda a vida me tenho baseado nos maus acordos para evitar as boas demandas. Tenho caminhado as  largas avenidas da minha existência a comprovar que quase sempre os maus acordos se convertem em ganhos inegáveis e numa paz sólida e redentora. Não fomos feitos para a guerra. Fomos feitos para aprender a viver com dádivas que se repercutem no Mundo até voltarem a nós em forma de amor e harmonia!  Experimentem vocês mesmos para entenderem do que falo…
   E é por isso que, nas minhas reflexões noturnas de ontem, percebi que sei viver bem. Sei viver como quero, regida por leis superiores de entendimento e amor. E é também por isso que decidi que  as palavras que quero que se gravem na minha pedra tumular sejam: “Ela soube viver!”
Ana Dias

30.1.12

Matar saudades



 - E vais por quanto tempo? – Perguntou ela,  quando lhe contei que ia de viagem.
- Dez dias. Não, onze. – Respondi.
- Tanto?? Não podias ir cinco agora e cinco noutra altura? – Propôs-me, meio embeiçada.
- Querida… Atravessar o Atlântico sai caro e é cansativo, tem que se aproveitar para ficar um pouco mais que cinco dias! – Eu sabia perfeitamente que a birrinha dela era mimo de “mana” mais nova que está habituada a ter-me sempre à distância de cinco minutos de caminho mas, ainda assim, entrei na brincadeira.
  Fui sabendo das saudades dela pelos comentários às minhas crónicas, mas foi hoje, enquanto matavamos as saudades num almoço junto ao mar, que percebi finalmente a veracidade do beicinho…
- Hoje a crónica vai ser para ti! – Disse-lhe enquanto içava o telemóvel para fazer a fotografia ilustrativa do carinhoso momento.
- … O amor prefeito… - Disse-me, olhos nos olhos, enquanto admirava, no ecrã do Iphone, a imagem que saíra.
  Sorri. Entendi-a. Não que todos os outros amores não sejam igualmente perfeitos, mas há qualquer coisa nas amizades profundas que se reveste de uma paz noutros casos inalcançável. Neste almoço percebi que,  para ela, onze dias foram mesmo demais, mas redimi-me a falar-lhe das descobertas que fiz, qual afoito marinheiro de outros tempos.  Ouviu-me com atenção quando lhe repeti, com a convicção renovada que trouxe desta jornada, que não é o que nos acontece na vida que é bom ou mau: é a forma como o encaramos que torna os acontecimentos bons ou maus. Também ela me entendeu e foi assim, olhos nos olhos, junto ao mar, que lá fomos começando a matar as nossas saudades.
Ana Dias

29.1.12

Surpresas


  Quase 48 horas depois de ter dormido pela última vez, começo a abandonar valeidades de me mostrar sem sinais de cansaço.  Memórias dos últimos abraços a quem ficou do lado de lá do Atlântico, misturam-se com os risos alegres de quem encontro neste lado.
    O corpo já pede cama, os olhos querem fechar e o pensamento já não escorre com o costumeiro caudal mas, depois de onze dias ausente, como poderia recusar um passeio de bicicleta com as crianças? Como poderia não ser eu a oferecer-lhes o ritual do banho e dos pijamas?  E recordo o último banho que lhes dei… recordo quem eu era há tão poucos dias; tudo o que não tinha visto, vivido, aprendido. Como se o banho que lhes dei há onze dias tivesse acontecido numa outra vida…
   É este o balanço correto de qualquer viagem: chegar-se infinitamente mais rico do que se partiu. Trazer na bagagem ofertas para todos, mas trazer mais, muito mais,  em nós mesmos. Independentemente do destino, companhia ou objetivo de cada viagem,  a real importância de tal  investimento é o enriquecimento pessoal: as vivências que trazemos, tatuadas na pele; os afetos conquistados pela rapidez de um sorriso franco; as memórias de momentos cinematográficos que nos acompanhão pela vida; os vislumbres dos mundos que dentro do mundo cabem; e tantas outras experiências que passam a fazer parte de nós.
   Mas quando, além de tudo isto, se traz a descoberta de uma asa protetora, de contornos paternais, percebemos que  a vida é, realmente, uma fonte inesgotável de aconchegantes surpresas…
Ana Dias

27.1.12

Laços


   Há laços que não se soltam. Faça chuva ou faça sol (mesmo em países ditos tropicais),  há uniões indissolúveis que o tempo só consolida.
   Ao longo dos últimos meses tenho descoberto uma amiga que acumula funções. Uma companheira leve, ligeira e de riso fácil, que se tem revelado uma inesgotável fonte de boas surpresas. É muito bom ter uma tal amiga,  que nos ouve os desabafos e aceita as nossas escolhas. A riqueza incontornável de ter por mãe uma amiga assim, torna-nos a vida mais leve, como se o peso que por vezes nos cai sobre os ombros se esfumasse num passo mágico.
   Nesta primeira viagem, apenas partilhada com a “Ninita”, sei que posso não ser, para ela, a companhia que mais lhe agradaria… mas sei que sou uma segunda escolha segura.
Ana Dias

26.1.12

Lar de afetos


  Quando ontem cheguei de novo, cansada e feliz, a casa do Vítor e da Micá, comentei com um suspiro:
- Como é bom estar em casa! –
O meu desabafo, tão verdadeiro quanto sentido, causou-lhes risos. Afinal apenas cá tinha pernoitado três noites e estou a milhares de quilómetros de casa… Mas o abraço paternal do Vítor, o sorriso ternurento da Micá e o olhar orgulhoso da minha mãe, tiraram-me, num segundo, a nostalgia do adeus a Buenos Aires!
 Hoje, enquanto almoçávamos na paradisíaca casa do Álvaro e do Víctor Emanuel, seus amigos,  comentei precisamente isso: que o lar está onde se encontram os afetos. E não foi à toa nem levianamente que me senti também lá como se a minha terceira nuvem à esquerda se tivesse, de súbito, materializado. A beleza etérea  e indescritível daquele cantinho de céu, deixou-me a meio caminho entre a comoção e o pasmo. Cada recando tem alma, história, estórias e afetos. Cada detalhe revela a exultação criativa e existencial dos seus criadores/ocupantes. Quem vive assim,  na mais perfeita réplica de éden terrestre é porque, indiscutivelmente, o merece.
   Mas não foi só a beleza mística do local, nem a sua fabulosa energia,  que me fascinaram. Perguntei-lhes se me queriam adotar por me conseguir imaginar a viver num sítio assim, e na companhia de duas pessoas tão magnéticas e preciosas.
- Somos almas gémeas.  – Disse-me o Álvaro, também escritor (  e matemático e escultor e dono de várias outras capacidades criativas ) após falarmos um pouco e nos antendermos a um nível tão profundo quanto se podem entender dois seres que falam a mesma linguagem interior.
Respondi-lhe com o olhar. E ele sabe o que lhe disse. Porque, bem feitas as contas, sentimo-nos em casa onde quer que haja velhos afetos… ou novos afetos se criem!
Ana Dias

25.1.12

De modo Tango a modo Samba



  De novo nas nuvens, regresso ao Rio, onde me aguardam para um lanchinho no Leblon. Enquanto me preparo para passar do modo Tango para a frequência do Samba, vou recordando alguns factos curiosos que me chamaram a atenção em Buenos Aires.
    As avenidas são larguíssimas e muitas delas de um só sentido. Grande parte da cidade é de desenho quadrangular ( tipo Vila Real de Santo António, mas um bocadinho maior), sendo que os edícios modernos estão, muitas vezes, lado a lado com estilos arquitetónicos que nos deixam com a sensação de estar em Paris. Os pombos são chatos e descaradões e as casas de banho femininas estão assinaladas com um “M” de mulher e não um”S” de senhora. Porque será?  É muito raro esperar mais de um minuto por taxi ou estar mais de trinta segundos sem ouvir algum piropo engraçado e decente. Ouve-se tango por toda a parte mas,  infelizmente, também se ouve o “ai se eu te pego” do Talló não sei das quantas ( alguém devia criar uma lei que impedisse que a dita música passe em sítios  públicos! ).  As livrarias são excelentes e a meia de leite vem sempre acompanhada por um copo de água com gás  o que,  após exaustivas e profundas considerações, continuo sem conseguir explicar!   Os homens cumprimentam-se entre si com um só beijo na face esquerda e só usam brilhantina quando vão dançar o tango. Os nativos de Buenos Aires são conhecidos como “porteños” e  são muito afáveis, mas falam com um sotaque tão cantado que demoram o dobro do tempo para dizer cada palavra.  As expressões mais usadas são o “dále” que significa ok, está bem, fica combinado e o “como no?”, que nada mais é que uma forma complicada que têm para dizer sim.   Muito mais há para contar, mas por aqui me fico… numa saudade enternecida por mais uma cidade que me conquistou.
Ana Dias
  

23.1.12

A vida num tango


A pequena orquestra começa a tocar e os dançarinos tomam o palco. A pele arrepia-se e os sentidos apuram-se, não querendo perder nenhum detalhe daquele banquete emocional.
  No café de los Angelitos, em Buenos Aires,  o ambiente quer fazer-nos regressar à primeira metade do século passado. Durante um bom bocado, desço do meu covil, na terceira nuvem à esquerda, e entrego-me em absoluto à paixão.
   Para ser sincera, quando me sentei para jantar ( a carne aqui é realmente divina, devem fazer qualquer coisa às vacas…) e ver o show de tango, não estava à espera de ver os artistas a fazer amor em palco! Porque, acreditem, é realmente isso que fazem enquanto dançam. E nós, pobres e mortais turistas, ficamos ali, como voyeurs embasbacados, a sonhar dançar como eles dançam e apaixonar-nos com aquela mesma paixão.
  Os corpos movem-se com um frenesim tão extasiado quanto é expressivo o rosto de cada bailarino. Sente-se-lhes a tensão do desejo e a dor de quanto sofre quem apaixonadamente ama.  Então as quatro pernas rodopiam e entrelaçam-se a uma velocidade tão super-sónica que ficamos com a respiração em suspenso, a temer que, a qualquer momento, um passo em falso os faça ficar estérieis para todo o sempre.
  Se alguém me perguntasse, diria que é a mais perigosa das danças: a tensão emergente, ao confluir com rios de desejo banhados em expressão corporal levada ao limite, parece capaz de provocar uma síncope aos exímios executantes. Tango é desejo ardente,  é paixão pulsante e perigo iminente. Tango é vida, arte e amor.
  É por isso,  e só por isso, que além de vos desejar que algum dia vejam algo assim, me desejo a mim, a vida num tango…
Ana Dias

22.1.12

O baterista sem ritmo


“Conheci” o  Diego Torres há uns catorze anos, através de uma música cheia de boa energia, cujo refrão reza mais ou menos assim: “ Saber que se puede / creer que se pueda / quitarse los miedos / sacarlos afuera / pintarse la cara / color esperanza / entrar al futuro / com el corazón…”
   O concerto que ontem vi, durou mais de três horas nas quais, além do músico fantástico (cuja obra tenho acompanhado desde então) descobri uma pessoa cheia de humor, otimismo e energia, o que me deixou a pensar que, normalmente, o sucesso e o bem viver estão diretamente ligados à nossa paixão pela vida.
  Não concebo, por exemplo, que um baterista não tenha ritmo, um cantor não tenha voz ou um músico não tenha musicalidade. Da mesma forma, não consigo perceber como pode haver pessoas que queiram ser amadas e felizes sem saberem amar e ser, por si mesmas, felizes.
  Cada um de nós é um íman, cujo poder de atração aumenta de acordo com o seu nível interior de positivismo, boa energia e capacidade de existir de forma melodiosa e harmónica…
   Cozinho estas palavras na companhia de uma cerveja, numa esplanada em San Telmo, ( Cuja feira de domingo é uma verdadeira delícia ) depois de ter comprado prendinhas para todos os meus amores. Porque a distância acentua as ternuras e faz-nos querer brindar os ausentes com toda a nossa saudade.
  Por agora aqui termino, com uma grande beijo para todos, pois os sons do tango reclamam a minha atenção.
Ana Dias

21.1.12

Tu Buenos Aires querida…


  Enquanto sobrevoo o Uruguai não conconsigo evitar que uma lágrima caia, com vida própria, enquanto a voz dele me soa como se a estivesse realmente a ouvir.
- Ai, Buenos Aires, querida… É maravilhosa. Talvez seja das cidades de que, até hoje, mais gostei. – Disse-me ele há uns tempos.  – Quando puderes ir, não percas! –
  Não sei se o meu pai tinha ou não, planos de regressar à sua Buenos Aires querida, mas vou honrar a sua memória ao percorrer a sós, nos próximos dias, caminhos já por ele percorridos.
  E é numa esplanada cercana ao Obelisco  que escrevinho estas palavras em papel, para daqui a pouco as partilhar convosco. Escrevo a deliciar-me com a atmosfera da mais europeia cidade da América do Sul. Entre sons de tango e de animadas gentes, a respirar o Verão de 2012 ( que já aqui chegou ) oiço-lhe de novo a voz e vejo-lhe de novo o rosto…
- Cá estou, pai…. En tu Buenos Aires querida… Não voltaste em pessoa, mas regressas em legado, genes e memória.
Tua, Ana.
  Pode ser só impressão minha, mas gosto de acreditar que ele “leu” isto enquanto eu escrevia, pois ao vir publicar mais esta crónica,  vejo um espetáculo do meu adorado Diego Torres, numa sala de espetáculos a vinte metros do Hotel…
- Queres mesmo que eu me divirta, não é pápi? -
Ana Dias

20.1.12

No rio das flores



    Enquanto a minha mãe e o Vítor, que se conhecem desde os tempos da infância em África, se deleitam a recordar episódios irrepetíveis, eu e a Micá olhamos uma para a outra sem perceber patavina.
- E tu não gostavas de  bibinca? – Pergunta o Vítor à minha mãe.
- Não. Eu gostava mais dos paparis e do tépué que o meu mainato Luis me preparava.  – Responde-lhe ela.
- Bons tempos… Tu eras maningue xunguila!
- E lembras-te como eles diziam “ Juro xiquembo chanhaca”? – Tornou ela.
- Claro. Tinha um mufana satanhoco que estava sempre a dizer isso… - Nos olhos brilhava-lhe o encanto das memórias.
  Por esta altura do jantar de ontem, eu comecei a desconfiar que eles estavam  a falar, propositadamente, num código secreto ancestral, para que os demais comensais nada entendessem…
Deixei o episódio do jantar de ontem a marinar-me no espírito até que hoje, ao passar o dia na Fazenda União (onde,  segundo me foi dito, o Miguel Sousa Tavares escreveu parte do “Rio das Flores),  percebi um pouco melhor a sensação do colonialismo. À medida que  o almoço nos era servido, com todos os erres e efes, na casa senhorial da dita fazenda de café, eu comecei a imaginar-me como filha do barão, e a meditar sobre o que faria depois do almoço.
Comentei o meu delírio em voz alta e a minha mãe, prontamente, rompeu a rir, perante a perspetiva de eu ir bordar e ter lições de piano.
- Tu serias daquelas sobre quem se escrevem livros… andarias como louca a montar um cavalo inteiro pelo meio das plantações … - começou a divagar,  divertida.
- … e teria um romance tórrido com algum capataz enquanto morria de tédio nas tardes de chá com o nobre com quem o meu pai me tentaria fazer casar… - Completei-a eu.
  Mas, delírios à parte, a conclusão é só uma: quem nunca viveu na primeira pessoa as delícias do colonialismo, jamais entenderá a experiência! Seja o colonialismo de há dois séculos ou do próprio século vinte; seja o do Brasil, o de África ou de qualquer dos outros territórios ultramarinos, o certo é que a sensação de aventura e de se viver em condicionalismos absolutamente únicos, é algo pessoal e intransmissível; algo que, quem teve a sorte de viver pode relatar, mas jamais conseguirá explicar.  Descobri isso hoje, mesmo ao lado do Rio das Flores.
Tradução:    Bibinca- doce indiano de gema de ovo ;  Paparis – espécie de panqueca fina, feita à base de milho;  Tépué – Farinha de milho com molho e camarão seco;  Mainato – empregado doméstico; Maningue Xunguila – Muito bonito;  Juro xiquembo chanhaca – Juro pelo amor de Deus;  Mufana – moço de recados;  Satanhoco – filho da mãe.
Nota: não ofereço garantias de que a “tradução” esteja 100% correta nem que as palavras estejam bem escritas.
Ana Dias




19.1.12

Itaipava


Já vos falei do Vítor, amigo do meu pai, que apenas vim a conhecer depois da sua partida. Mas nunca partilhei convosco o seu tesouro: a Micá ( Maria do Carmo de batismo), com quem partilha  a vida desde que, nos seus cinquenta e muitos anos, se conheceram e apaixonaram.
   Também eu estou apaixonada por ambos. Pelas suas manifestações constantes de mútuo carinho e pelas estórias, profusas e fantásticas, que debitam com a inteligência e graça da gratidão com que celebram cada novo dia.
   Na sua casa, perto de Itaipava  (em nativo, o sítio da pedra que chora) estou em contato com uma natureza luxuriante, cheirosa e sonora. Na sua casa, estou em casa, num ninho de afetos tão quentes como o clima.
  E é por me sentir assim, tão feliz no meio de cheiros, visões e memórias contadas, que apenas me apetece fazer como os meus anfitriões: celebrar a vida, dia a dia, momento a momento, e absorver tudo,  num instinto quase sôfrego de inspiração colossal.
   Ana Dias

17.1.12

Partir


   Partir requer força.  Implica espírito de sacrifício e capacidade de lidar com o desconhecido.  Ficar é muito mais fácil. Não incomodamos ninguém quando não nos mexemos do sítio; não levantamos ondas nem semeamos ventos de tempestade. 
   Aceito quem não queira partir. Aceito quem aceita ficar imóvel. E até aceito quem, em tentativas vãs, me tenta impedir de partir. Entendo que  as pessoas são todas diferentes e que, por isso mesmo, têm visões distintas do Mundo, da vida e de si mesmas. Entendo que há seres que, apesar de serem grandiosos nas suas capacidades, se resignam ao espaço confinado da habituação.
  Partir requer força. Mas quem parte ganha sempre. Ganha a riqueza da conquista do seu espaço pessoal. Ganha  cultura e  experiências. Ganha os momentos inesquecíveis que compõem o puzzle da vida. E se querem saber, quem tem a força de partir, mesmo quando a tempestade está forte, ganha inevitavelmente o respeito de quem o queria fazer ficar…
- Ana, já acabaste ? – a minha mãe chega das lojas que tem andado a ver, enquanto esperamos pelo nosso voo.
- Espera, mamy, ainda me falta dizer uma coisa.  
   E o que vos quero dizer é simples: não sucumbam, por favor, a quem vos quer fazer ficar. A nossa vida é demasiado preciosa para que possamos permitir que outros a vivam por nós! Lembrem-se:  para partir é preciso força. E é essa força que nos vai trazer de volta como pessoas mais completas, inteiras e felizes.
Ana Dias
 

Saudades?



- Meninos, vão ter saudades minhas? –
- Vaaamos! – Respondem em coro,  com um tom de voz que não deixa antever qualquer tipo de sofrimento.
- Mas não tenham muitas, está bem? –
- Sim, mãe!
 Em véspera de partir para dez dias fora, tento assegurar-me que estão bem com a minha breve ausência, afinal eles próprios já foram viajar sem mim durante mais tempo que isto.
  Mas o tema das saudades deixa-me a pensar… Sei que um dia os meus filhos vão sair de casa. Talvez para estudar fora ou para viajar pelo Mundo. É a lei da vida. É assim que deve ser. As crias a sairem do ninho e a trilharem o seu próprio destino. Quero que vivam aventuras, conheçam muita coisa e se descubram a si mesmos.  Sei que quando esse momento chegar quero estar preparada para os ver partir. Sei que é provável que custe um pouco, mas amar é isso: é aceitar a saudade como uma benção magnífica.  Só o amor perfeito aceita a partida e  exulta o abraço à vida dado pelo outro.
   Acredito que estou a construir esse tipo de relação com os meus filhos. De parte a parte. Porque os estou a deixar perceber que as saudades são um reflexo do amor, enquanto ao mesmo tempo lhes demonstro que é possível torná-las suaves e boas.... por amor!
Ana Dias

16.1.12

Amores

  
 Lembro-me de ter cinco ou seis anos e fazer birras de ciúmes por achar que a minha irmã mais velha gostava mais do namorado do que de mim…
- Mas, querida… Há vários tipos de amor e tu nunca vais deixar de ser a minha maninha pequenina.  Por ele tenho amor de namorado e por ti,  amor de irmã.  Podemos amar muitas pessoas ao mesmo tempo! – Explicou-me pacientemente.
- Nunca vais deixar de me amar? – Perguntei eu, a reforçar o beicinho.
- Claro que não, querida. É impossível! –
  Esta conversa tem-me acompanhado sempre.
  Pouco tempo depois tivémos outra irmã. Uma de alma. E coração. Que me apareceu na vida quando ambas tinhamos apenas sete anos. Ontem passei o dia com ela. Falámos do passado, do futuro e do presente. Agradecemos o presente de nos termos. Celebrámos o facto de estarmos sempre presentes uma para a outra. Não fizemos juras de amor eterno porque não precisamos.  Apenas dissemos “amo-te”. Porque ambas sabemos que há vários tipos de amor. Amores invaciláveis que são ancorados por um entendimento quase sobrenatural.
   Há muitos tipos amor e muitas pessoas para amar…. Apenas não devemos esquecer que somos uma fonte inesgotável de capacidade de amar.
Ana Dias

14.1.12

Estrela cadente


   Olhei para a estrela cadente e atropelei-me em desejos. Numa fração de segundo, tive uma quantidade de pensamentos que não julgava ser possível em tão estreita moldura temporal. E quando a luz cintilante se desvaneceu na escuridão, apenas me sobrou a memória do mais lógico dos desejos: “ Quero ver outra…”
   O que me ficou da experiência? A perceção de que há momentos que devem ser vividos sem interferência da razão e do pensamento consciente… sob pena de não lhes saborearmos o valor antes que se esfumem num passado terminado. Só quando se vive cada momento sem interferências nem ruídos é que eles são realmente vívidos e vividos, não deixando atrás de si a necessidade de desejar uma repetição.
Ana Dias

12.1.12

I had a farm in Africa…



  Ontem passei o dia com a Meryl Streep a sussurar-me na alma.  “ I had a farm in Africa… I had a farm in Africa…” – Ouvia-a com a pronúncia dinamarquesa da personagem que interpretou,  com a sua indizível mestria,  no filme Out of Africa.
   Procurei no Youtube a sequência inicial do filme para tentar perceber o que tinha que ser escrito. E ouvi a sua narrativa inicial, embrulhada no som da magnífica melodia em que os violinos se destacam, enquanto percebia o que é que vocês merecem ler…
   Pergunto muitas vezes aos outros o que esperam eles da vida. As respostas, muitas vezes previsíveis, nunca correspondem ao que espero da minha. Talvez a responsabilidade seja do Sydney Pollack; talvez seja da própria Meryl Streep e da sua inesquecível pronúncia que se gravou em mim aos onze anos de idade. Ou talvez seja apenas porque, algures neste incrível percurso que é a vida, me tenha apercebido do que espero dela.  
   É,  por isso,  num tom profundamente intimista que vos digo, aqui e agora, que a derradeira expetativa da minha vida é tão simples quanto um cenário que crio na minha própria mente: vejo-me, na minha velhice, a escrever as minhas memórias. Quero fazê-lo ao som de uma épica banda sonora e encher páginas e páginas das mais incríveis e significativas estórias e descobertas. Vejo-me sentada, com vista para uma paisagem bucólica ( ou talvez marítima, logo se vê) a derramar em palavras toda a riqueza que acumulei: momentos. Talvez comece com  “ I had a farm in the Algarve…  e tive vislumbres do Mundo pelos olhos de Deus…”
   Por agora apenas vos peço que imaginem um momento igual. Imaginem-se com os cabelos brancos, a escrever as vossas memórias. E lembrem-se que estão perfeitamente a tempo de as tornar tão memoráveis quanto queiram…
Ana Dias
 
 

11.1.12

Enquanto esperamos por mesa…



- Não sei se conheces um provérbio muito nova-iorquino que diz que a vida acontece enquanto esperamos por mesa – Disse-me ele, ao telefone.
- Esse nunca tinha ouvido, não… - Respondi.
   Gosto de estar atenta a  perspetivas da vida em que nunca pensei. Frases que iluminam os factos com uma luz colorida. É em pequenos momentos, inesperados, que fórmulas mágicas nos assolam. Basta ter algumas  capacidades no “on”: ouvir, estar atento e querer pensar.
  Saber ouvir é uma virtude. Praticar a atenção é um exercício. E pensar… bem, pensar é um desafio a que ninguém devia fugir.
  Mas voltando ao fabuloso cerne  deste tema: a vida acontece mesmo ao minuto! Acontece enquanto esperamos por mesa;  enquanto esperamos pelo próximo combóio que nos possa levar ao vale encantado dos nossos mais selvagens sonhos. A vida acontece na estação, enquanto esperamos pelo alegórico trem do destino.
  Mas estaremos suficientemente atentos para  a ver acontecer? Estaremos despertos para a sentir a fluir? Não nos devemos esquecer que, enquanto esperamos por mesa e a vida acontece, também nos cabe a missão de escrever grandes estórias na página em branco dos dias…
Ana Dias



10.1.12

No dorso da vida


     A forma como as cavaleiras de antigamente montavam  os cavalos de lado,  sempre me fez uma confusão enorme.  Manter o equilíbrio em cima daqueles  dorsos altos e, simultaneamente, controlar os animais para fazerem o que queremos já é suficientemente difícil para ainda se ter de aumentar o grau de dificuldade com fórmulas  circenses. E porque montavam de lado, as mulheres? Por decoro? Para impedir a masculinização do “sexo fraco”, que se pretendia frágil e puro?...
  Nos dias que correm as mulheres já não montam de lado. Montam sentadas na sela da forma que a leis da anatomia, ergonomia e equilíbrio mandam. Qualquer mulher que o queira consegue fazê-lo: montar como um homem e, ainda assim, fazê-lo com toda a feminilidade e graça com que o tal par de cromossomas a brindou.
  E esta reflexão leva-me a outros atos. Há três indícios de atitude que me despertam a consideração por qualquer ser humano que os execute com constância: a sustentação do olhar;  o aperto de mão firme e a verticalidade na postura. Mas ainda os aprecio mais no género a que pertenço.
Uma mulher que caminha direita e se senta com postura; uma mulher que fala com as pessoas olhos nos olhos e que é capaz de um aperto de mão firme e seguro, reúne, à partida, os requisitos para ser uma grande senhora, uma grande pessoa! Cada vez mais me convenço que não é por fazermos coisas másculas que perdemos a feminilidade. É por as fazermos com hombridade e retidão que essas coisas  têm, em nós, um maior  valor e beleza.
Ana Dias

9.1.12

Factos


   Um dos professores que tive nas aulas de estágio repetia muitas vezes uma frase que consistia mais ou menos no seguinte:
- Por mais que o anos vos tragam o traquejo de estar na barra a divagar sobre a beleza das mulheres e os maravilhosos aromas da Primavera, o que vai importar sempre, espero que nunca o esqueçam, são os factos! –
E depois repetia, como que para nos hipnotizar:
- Factos, factos, factos!
De vez em quando lembro-me disto porque, por mais que em tribunal tudo o que importa sejam os factos (provados, claro está), nas demais circunstâncias da vida nem sempre são os factos que ditam as nossas sentenças.
E lembro-me de uma parte da vida, em particular, na qual os  acórdãos pouco ou nada se devem basear em factos. No amor os factos provados de nada servem. No amor apenas vale o sentimento. Parece-me claro que, no amor, quando deixamos que os factos ditem o veredito, ele sucumbe à razão e deixa de existir…
Ana Dias


8.1.12

Amigas


  Ele olhou para mim com um ar que não conseguia esconder o espanto. Não estava, provavelmente, à espera de me ouvir dizer aquilo. E eu continuava a tentar explicar-lhe qual de nós dois estaria na vida dela para sempre.
- Porque hoje és tu o homem que ela ama, mas amanhã poderás não ser… - Continuei, enquanto ele se contorcia levemente no seu desconforto.
- …Eu sei… - Respondeu-me.
- Sabes, quando eu estou triste, nos meus momentos de fraqueza e desespero, lembro-me das quatro mulheres da minha vida e um sorriso triunfante volta a invadir-me o rosto. Sinto o amor delas mesmo sem as ver ou ouvir. É uma espécie de ritual mágico que me devolve a consciência de que há um pequeno e poderosíssimo grupo de pessoas que me vão amar incondicionalmente até ao fim dos tempos.
- Eu não tenho isso… - comentou ele, com alguma tristeza no olhar.
- É por isso que te digo que, esteja ela com quem estiver e  faça o que fizer, há uma riqueza suprema  que a faz ser tão poderosa: sabe que tem quem a vá apoiar sempre em cada escolha e atitude… mesmo que não seja a mais correta. Ela, como eu, tem uma fortaleza para onde poderá sempre ir para se protejer e restabelecer das tempestades da vida… e essa fortaleza, são as verdadeiras amigas!
  Sei que este homem, cuja estrutura provavelmente abalei com tão sentidas palavras, é merecedor do amor da minha amiga. Afinal é um corajoso guerreiro que mantém “batalhas” diárias para ser feliz ao lado de uma mulher que de fácil trato pouco tem. Mas é bom que todos os homens saibam que qualquer mulher que tenha uma verdadeira amiga, supera tudo na vida!
Ana Dias

6.1.12

No banco de trás

   Há coisas  que às vezes ouvimos e nos marcam.  Coisas banais que, à partida, se poderiam apagar em nós,  mas acabam por ficar cá dentro e vir à superfície meses ou anos mais tarde.
  Poderão pensar que estou a falar de  palavras menos boas, ditas com más intenções, mas não é, de todo, o caso.  Refiro-me a palavras e conversas mesmo banais. Mas deixem-me explicar dois casos.
  Uma amiga, com dois filhos um pouco mais velhos que os meus, disse-me, já há anos,  que adorava ouvir as conversas que os seus rebentos tinham, entre si, no banco de trás do carro. Recordo constantemente a efusividade com que o disse porque também eu me tenho divertido imenso ( e aprendido muito ) com as conversas que o João e o Tomás têm tido  no dito banco de trás.
  Uma outra banalidade que ficou em mim retida, foram as palavras de uma senhora que, num programa de televisão, afirmou que adorava os filhos por a fazerem rir tanto. Marcou-me a forma como compôs o final da sua ideia: - Basta lembrar-me dos meus filhos para começar a rir!-
  Vou ser franca: sei que os filhos não nos fazem apenas rir. Os estupores fazem-nos gritar, desesperar e  preocupar. Dão-nos preocupações; exigem dedicação;  implicam esforço e fazem-nos “perder” muitas coisas como a barriga lisa e a despreocupada vida de quem não tem quem dependa de si. Mas não há nada que se compare àquele abraço que nos dão; ao beijo lambuzado ou ao olhar de quem ainda nos vê como o mais maravilhoso dos seres. Não há nada que se compare a ouvir que somos a melhor mãe do mundo só porque lhes compramos uma carteira de cromos ou deixamos comer o segundo gelado! Não há nada que se compare a imaginar o dia em que vamos ter um neto nos braços!
  E agora percebo o porquê se haver banalidades inesquecíveis… É porque as conversas que os nossos filhos têm,  no banco de trás do carro,  se podem tranformar numa das mais belas experiências da vida.
Ana Dias

5.1.12

A sós


   Quando é que uma pessoa se conhece verdadeiramente a si mesma? Na alegria ou na tristeza? Na tempestade ou na bonança? Em que preciso ponto da vida é que descobrimos exatamente que tipo de pessoa somos? Ou será que essa descoberta é um processo paulatino, resultante das nossas constantes escolhas? E será que, mais que escolher atitudes, podemos escolher o que sentimos?
   Perdoem-me a profusão de perguntas, logo pela fresquinha, mas há coisas em que vale a pena pensar.
   Tenho a firme convicção de que descobrimos o que nos define,  enquanto pessoas,  em duas situações em particular: nos momentos mais difíceis e nas viagens a sós. Percebemos as nossas capacidades e “lemos” a nossa essência quando enfrentamos as derradeiras dores da existência. E é nas solitárias viagens, (mais nas que escolhemos do que nas de trabalho) que conseguimos estabelecer um relacionamento verdadeiramente apaixonado com nós mesmos; que podemos desfrutar da nossa companhia, ver apenas pelos nossos olhos e dar provas apenas ao nosso interior.
  Tenho a firme convicção de que quem sai mais forte, otimista  e esclarecido dos períodos mais negros da sua existência, se torna num ser superior e capaz de quase tudo. E são apenas as pessoas que conseguem dar à vida o perdão absoluto pelas suas maldades,  que têm a capacidade de conquistar o mundo, a sós, ou acompanhadas, com amor por si e por tudo o resto…
Ana Dias

4.1.12

“É bom que não dancem!”


   O deck do Ipod faz soar uma música latina apetecível. Começo, lenta, a abanar-me, até que deixo o corpo tomar o controlo da situação e rendo-me a passos mais apaixonados e expansivos. Há instintos, reflexos denotadores de bem estar e felicidade, que são quase irreprimíveis e, por isso mesmo, não devem  ser refreados,  sob pena de perdermos momentos únicos da vida.
   É certo que estou na minha sala e que não tenho por hábito abanar-me tão volumptuosamente em público, embora confesse que, por vezes, me deixo levar por suaves movimentos na fila do supermercado ou enquanto espero os meus filhos à porta da escola. Sou uma criminosa!
  - Aqui não se dança, pois não? -  Perguntou-me, certo dia,  um agente da autoridade que fiscalizava o bar de família.
- Aqui no “Piratas” não costumam dançar, não…” – Respondi.
- Pois! É bom que não dancem! – Frisou bem as palavras pois o “Piratas” não tem licença para que as pessoas respirem a vida com dança.
   Lembrei-me deste episódio devido caso do proprietário de um restaurante que chegou mesmo a ser preso por ter tido clientes suficientemente felizes e descomplexados a ponto de se exprimirem  com uns passitos de dança. A meu ver o senhor devia ser premiado por lograr causar tal efeito nos clientes que, provavelmente fartos da austeridade da época, se conseguiram,  ali,  render à despreocupação de um bom momento.
  E não consigo evitar um pensamento: e se, pelo contrário, conseguíssemos obrigar todos os seres cinzentos a dançar? E se todos os legisladores ignorantes, burocratas arrogantes e engravatados pedantes, que operam em todas as estruturas rígidas e austeras, perdessem o seu pelouro a menos que, de hora a hora, fossem obrigados a dançar por dez minutos como se não houvesse amanhã?
   Parece-vos uma ideia estúpida? A mim parece-me suficientemente sábia para encerrar a solução de uma infinidade de problemas!
Ana Dias
   

3.1.12

A LISTA


   Ainda no rescaldo do início do ano que permanece em branco, como alva página na qual podemos escrever o que quisermos, quero confessar que não resisti à tentação de fazer A LISTA!  Pela primeira vez em muitos anos, sentei-me com papel e caneta e escrevi,  pelo meu próprio punho, um a um, os projetos e decisões que quero cumprir durante os próximos doze meses. Entre os vários devaneios apaixonados que me encheram duas pequenas páginas, encontram-se aspirações tão reais como passar ainda mais tempo feliz, escrever mais dois livros e um musical, viajar, amar mais, acarinhar mais, viver em abundância interior,  inspirar-me e inspirar os outros.
   Tenho a consciência absoluta de que muitas das coisas a que me propus serão cumpridas, da mesma forma que estou alerta para os perigos de distração e para alguns “truques” imprescindíveis para a concretização dA LISTA. Depois de sabermos o que queremos ( muitas vezes é este o passo mais difícil…) há alguns aspetos fundamentais  a ter em conta para levar a bom porto os nossos sonhos:
- Perseverança
- Apreciar o processo
- Verbalizar constantemente os nossos planos como se fossem já uma realidade
- Traçar metas concretas e datas que devemos respeitar
- Comprometer-nos connosco mesmos a dar tudo por tudo para não nos defraudarmos
- Saborear e celebrar cada pequena conquista que nos aproxima mais dos nossos intentos…
   E como quem me lê já sabe que sou um elemento  agitador dos vossos interiores, já devem estar à espera do desafio! Vá lá… Vão lá buscar caneta e papel!!
Ana Dias

2.1.12

Com sono, mas acordada!


     O pano cai  de madrugada  sobre o alegre palco, marcando o final de mais um reencontro de amigos. Sou a última ainda em cena. Olho à volta. O espaço, há poucas horas repleto de vozes felizes, música e luz, está agora silencioso e parcamente iluminado por algumas velas e luzes da árvore de Natal. Lanço um olhar aos despojos da festa e recordo como, um após outro, os convivas se foram retirando, deixando-me a sós com a anfitriã ,  minha “mana” para a eternidade e,  por fim, a sós comigo mesma.
  Cedo ao cansaço e vou finalmente dormir.
E hoje no carro, enquanto o corpo guiava tranquilo e a alma se instalava na terceira nuvem à esquerda ( o seu habitat natural ) dou por mim a pensar nas razões que me levam a ser sempre a última resistente;  a eterna apaixonada pela  intimidade emocional  das conversas que invadem as silenciosas horas noturnas.
Recordo, então,  palavras há poucas horas trocadas.
- Não quero fotografias minhas,  destes convívios, no face, meninas! – Aviso às viciadas em disparar sessenta flashes por minuto. – Tenho um perfil profissional a manter! –
- Querida… os escritores são, por definição, eternos boémios! – Responde-me uma delas.
  Lembro-me disto no carro, com o corpo a conduzir e a alma refastelada na terceira nuvem à esquerda…  - Porque serei tão boémia? O que tenho contra o tempo passado a dormir? Será este um requisito incontornável para ser o que sou, escritora?  - Percebo depressa que sempre fui assim. Sempre serei. A viver bem acordada, mesmo a morrer de sono! Simplesmente porque a vida é demasiado preciosa para me poder dar ao luxo de me deixar vencer pelo cansaço.
Ana Dias